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E a vida, o que é? – 6 anos de blog

papel higiênico triste e vaso sanitário

Ilustração: Vyacheslav Shilov

Conclusões

Hope Silver (www.hopesilver.ru)

– A vida é um presente, – disse o papel de embrulho.

– A vida é imaginação, – proferiu o papel de escrita, com confiança.

– A vida é um arco-íris! – exclamou o papel colorido.

– A vida são eventos atuais, – relatou o jornal.

– A vida é uma m[…], – concluiu o papel higiênico, melancólico.

(SILVER, Hope / Nadezhda Serebrennikova. Curious Things. Berkeley – CA-USA, 2015. Tradução livre: Marusia)

 

Diferentes pontos de vista, diferentes percepções, diferentes conclusões. Diferentes papéis na vida. A esperança prevalece, no entanto. Nada, por mais determinista que pareça, é definitivo.

Minha filha de dez anos deu um novo fim para a historinha e para o tristonho papel higiênico. Na falta de espuma de enchimento, usou pedacinhos de papel higiênico para os bichinhos de crochê que estava fazendo.

A lição se aplica ao papel de escrita e ao colorido, e serve para o papel de embrulho e para o jornal, após aberto o presente e lidas as notícias:

A vida – com arte – é preenchimento.

unicórnio e rosquinha feitos de crochê

Um unicórnio e um donut de crochê, feitos pela minha menina

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Veja também:

100º post, 1 ano de blog

Confissões inconfessáveis – 2 anos de blog

O curso mais interessante do mundo – 3 anos de blog

Óculos de ver coisa errada – 4 anos de blog

This post in English: And what is life?

Barba Azul e a violência contra a mulher

capa do livro Barba Azul, de Ruth Rocha

Meu filho de 10 anos chegou para mim indignado:

– Peguei na biblioteca esse livro da Ruth Rocha e detestei!

– Que livro?

– Barba Azul.

– É um conto de fadas muito antigo.

– Antigo e horroroso!

***

Barba Azul é bem menos conhecido que Branca de Neve e Cinderela (que também têm seus requintes de crueldade). Para quem não leu, é a história de um nobre que se casa muitas vezes, e ninguém sabe o paradeiro das esposas. Ao se casar com a oitava, dá a ela as chaves de todos os aposentos do palácio, alertando-a apenas de um, no qual não deveria entrar jamais. Ela (obviamente) entra e encontra os corpos das esposas assassinadas. Ao ver seu segredo revelado, Barba Azul diz que ela terá o mesmo destino das demais, por ter traído sua confiança. Entretanto, os irmãos da moça chegam e conseguem impedi-lo, matando-o.

Eu li Barba Azul quando tinha a idade do meu filho. O curioso é que não me impressionou tanto. Em parte, penso que o fato de ter escolhido um livro da Ruth Rocha criou nele a expectativa de algo mais leve e divertido; daí a sua indignação. Mas resolvi ir mais a fundo e provoquei:

– Ué, você joga esses videogames do Lego, e se impressionou com Barba Azul?

– Totalmente diferente, mãe! Aquilo é só um jogo.

– Quando o Batman derrota o inimigo, o boneco explode, e sai cabeça, perna, braço de Lego para todo lado!

– O Lego é de brinquedo.

– E aquele game de luta? Aquele também é horrível.

– Luta é um esporte, e os lutadores têm a mesma força. As mulheres do Barba Azul não tinham como se defender.

(continuando a provocação) – Mas elas não mereceram? Elas foram desobedientes, ele tinha pedido para elas não entrarem naquela sala.

– Mas isso não é motivo para matar ninguém, mãe!

– Os irmãos da moça também mataram o Barba Azul.

Aí minha filha, que estava prestando atenção à conversa toda, disse:

– Mas ele é do Mal, mãe.

Eu reli Barba Azul quando estava grávida dela, em um contexto bem diferente: na análise formidável de Clarissa Pinkola Estés, no livro “Mulheres que correm com os lobos”. A autora associa cada personagem da história, e detalhes como a chave, aos elementos da psique feminina, tomando por base a teoria dos arquétipos de Jung. E mostra a importância de aniquilarmos, dentro de nós, o monstro mental que nos impede de sermos curiosas, criativas e termos acesso às NOSSAS VERDADES.

De aniquilarmos essa força que “é do Mal”.

Talvez, quando eu era criança, vivesse em uma sociedade em que a agressão às mulheres era “cultural”. Em que ler Barba Azul não despertava indignação. Em que as pessoas estavam “acostumadas” a ver, sem questionar, anúncios publicitários como estes (traduções livres):

Anúncio do tecido Dacron. Homem pisa na cabeça de mulher

“É bom ter uma garota por perto”

Anúncio do café Chase and Samborn, com marido batendo na mulher

“Se o seu marido descobrir que você não está escolhendo o café mais fresco…”

Anúncio da cerveja Schlitz. Marido consola esposa, que chora porque queimou a comida

“Não chore, querida, você não queimou a cerveja!”

Anúncio dos suéteres Drummond. Homens no topo da montanha e mulher pendurada.

“Homens são melhores que as mulheres. Em casa, elas são úteis – e até agradáveis. Na montanha, contudo, elas são um estorvo.”

Anúncio das gravatas Van Heusen. Mulher ajoelha-se e serve o café para o marido, na cama.

“Mostre a ela que este é o mundo do homem.”

Anúncio da batedeira Kenwood. Mulher com chapéu de chefe de cozinha abraça o homem de terno.

“O chefe faz tudo, exceto cozinhar – é para isso que servem as esposas!”

Anúncio de Palmolive. Mulher à frente do espelho, com ombro à mostra, olha de forma sedutora para o expectador.

“A maioria dos homens pergunta: ‘Ela é bonita?’ e não ‘Ela é inteligente?’ “

Anúncio das vitaminas Kellog's PEP.  Homem de terno abraça a esposa com avental e espanador.

“Quanto mais duro uma esposa trabalha, mais bonita ela fica! Vitaminas para animar”

Anúncio da máquina de franquia postal Pitney Bowes. Homem tenta convencer mulher a usar máquina.

“É sempre ilegal matar uma mulher?”

Hoje me choca ler a notícia de que a Lei Maria da Penha não conseguiu reduzir o número de homicídios de mulheres. Barba Azul de carne e osso ainda está atual. Mas, ao contrário da história, não é a pena de morte a solução. Deve-se destruir o aspecto simbólico, para que então isso se reflita na realidade – é por isso que os contos de fadas são tão preciosos. A resposta está no conhecimento, na educação.

Por isso, é maravilhoso ver meus filhos adotando uma postura de debate, de contestação. De não achar “normal” que mulheres sejam agredidas. Nem na ficção.

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Veja também:

Os segredos dos publicitários

Verdades

El Bigodito

Mães de animações e seriados 3: por que a gente se identifica e se espelha nelas?

Dai-me paciência!

De uns tempos pra cá, comecei e a ficar meio encucada com meu limiar de paciência. A criançada andava me tirando do sério, principalmente quando me obrigava a repetir a mesma coisa um milhão de vezes. Na primeira, eu até pedia bonitinho. Na segunda, o tom não era tão amistoso; na terceira, pronto, ficava braba. Uma amiga, rindo, disse que ela já tinha passado do tempo de esperar a terceira vez. Economizava as energias e já chegava berrando na primeira rs!

Um dia, eu estava numa loja de departamentos, e um livro saltou aos meus olhos como se a capa estivesse escrita em neon: “O poder da paciência”. Pensei: “Puxa, preciso realmente disso!” Pela módica quantia de R$ 9,90, em nenhum momento perdi de vista o possível caráter de auto-ajuda “Tabajara” da obra (“Seus problemas acabaram!”) Mas, pela mesma módica quantia de R$9,90, valeria a pena: no mínimo seria um apanhado dessas dicas que a gente sabe mas nunca é demais lembrar.

Livro O poder da paciência

Para minha surpresa, encontrei um livro de linguagem agradabilíssima, bem fundamentado, recheado de citações pertinentes e exemplos de situações reais, em capítulos enxutos e bem alinhavados. Não tem aquele papo de transmissão de sapiência. A própria autora se assume como uma “aprendiz”. O mais interessante, contudo, são as dicas práticas, simples como têm de ser e – imprescindível – que funcionam.

Abaixo, transcrevo alguns trechos só para abrir o apetite deste livro que merece estar na Biblioteca da Mãe Desencucada.

Sobre pontos de vista:

“Existe algo mais encantador do que as crianças? Elas dizem coisas tão afetuosas, cobrem você de beijos e abraços, querem tanto agradar. Observar suas descobertas e avanços é sempre um prazer.

“Existe algo tão exasperador quanto as crianças? Elas derramam suco de uva em seu tapete branco novinho em folha, fazem as mesmas perguntas repetidamente e transformam ações corriqueiras, como escovar os dentes, em incessantes lutas pelo poder. Estar perto delas pode ser um tormento.” (RYAN, M.J. “O poder da paciência”. Rio de Janeiro: Sextante, 2006. p52)

Crianças são tudo isso ao mesmo tempo: adoráveis e punks. Como a vida. E muito do que essa relação pode revelar está em nosso modo de ver as coisas.

Sobre controle (esse capítulo é simplesmente sensacional):

“Tim Gallwey apresenta uma lista do que podemos ou não controlar em relação às outras pessoas. Você não pode controlar a atitude ou a receptividade da pessoa; o quanto ela ouve; suas motivações e prioridades; sua disponibilidade; o fato de ela gostar ou não de você; a capacidade de compreender o seu ponto de vista e aceitá-lo; a maneira como ela interpreta o que você diz.

“Você pode controlar as suas atitudes em relação a uma outra pessoa; sua própria atitude em relação ao aprendizado, sua maneira de ouvir; sua aceitação do ponto de vista de outra pessoa; seu respeito em relação ao tempo dela; sua expressão de entusiasmo pela ideia dela; a quantidade de tempo que você gasta ouvindo e falando; sua auto-imagem.” (vide acima, p96)

A autora também nos convida a descobrir o que nos tira a paciência. Descobri, por exemplo, que repetir a mesma coisa faz com que eu me sinta “invisível”, desimportante. Sob outro prisma, vale questionar a eficácia dessa insistência e ver se não é hora de mudar de estratégia…

Para coroar, um parágrafo que tem tudo a ver com o tema do blog (grifo meu):

“A impaciência é, na verdade, um sintoma de PERFECCIONISMO. Se esperarmos que nós e os outros sejamos perfeitos, que o metrô, os elevadores e os sistemas de mensagens eletrônicas sempre funcionem bem, perderemos a paciência todas as vezes que alguma imperfeição surgir: a bagagem extraviada, um esquema de horários arruinado, garçons mal-educados, familiares intrometidos, crianças malcriadas. Por outro lado, quanto mais admitirmos que a vida é desorganizada e imprevisível, e que as pessoas se viram da melhor maneira possível, mais paciência teremos em relação às circunstâncias e às pessoas que nos cercam.” (vide acima, pp-181-182).

Tão eu!

E você? Como está seu limiar de paciência?

Bebê rezando

E não é que agora até está dando sinal de vida?

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Veja também:

Biblioteca da Mãe Desencucada

Irritada?? EEEEEEU???!!!?

A linguagem secreta da birra: o que é preciso saber

Frases de Mãe

O Meio Termo de Ouro para pais e mães

Ouvindo os filhos

gato com a pata na orelha

Meu irmão me deu de presente de Natal o livro “Melhores pais, melhores filhos”, de Angela Cota e J. Augusto Mendonça, psicólogos clínicos com mais de 30 anos de experiência no atendimento a famílias.

Gostei muito do livro. Ele não traz fórmulas prontas (até porque elas não existem), mas apresentam um “caminho especial e possível: o do coração”.

Em um dos capítulos, os autores falam sobre a importância de ouvir nossos filhos. Isso traz um resultado enorme na correção de comportamentos, desde que a criança perceba que realmente foi ouvida. Experimente repetir e confirmar o que ela disse, para compreender o que ela sente, antes de dizer o que pode ser feito.

Os autores relatam esse diálogo tocante:

Um exemplo de confirmação aconteceu quando meu filho tinha cinco anos. Nesse dia, quando eu disse que já estava tarde e que era hora de ir para a cama dormir, ele me disse:

– Não quero dormir. Não vou dormir.

Então eu confirmei:

– Eu escutei que você não quer dormir, que não vai dormir.

– Eu nunca mais vou dormir. Eu não quero dormir nunca mais.

– Você disse que nunca mais vai dormir, que não quer dormir nunca mais.

– Eu não quero dormir porque se a gente dorme a gente morre.

– Eu escutei você dizer que não quer dormir porque se a gente dorme a gente morre.

– O João não foi à escola hoje e a Tia Márcia disse que foi porque o irmãozinho bebê dele dormiu e de manhã estava morto.

– Eu escutei que você disse que não quer dormir porque se a gente dorme a gente morre, mas isso que aconteceu com o irmãozinho do João se chama “morte súbita no berço” e acontece muito raramente, com criança de até seis meses de idade. O bebê não sabe se mexer, se levantar, tem problema para respirar e então morre. Você já está maior, já tem cinco anos, sabe se mexer bem, virar de lado, levantar. Isso não vai acontecer com você. Você pode dormir assim como a mamãe, o papai e seus dois irmãos, sem se preocupar.

Esse é um exemplo interessante porque mostra uma maneira bastante saudável de descobrir por que a criança não quer algo, sem passar por cima do que ela acredita, sem forçá-la a fazer uma coisa que ela está com medo de fazer. Além disso, depois de confirmar e descobrir o porquê da criança não dormir, foi possível orientá-la, ensinando o que ela desconhece.

(COTA, Angela & MENDONÇA, J. Augusto. “Melhores pais, melhores filhos”. Belo Horizonte: Diamante, 2012. Pp 117-118).

Gente, eu tenho feito aqui em casa. É impressionante.

Veja também:

A linguagem secreta da birra: o que é preciso saber

Feche a boca e abra os braços

Mãe Malabarista? Não, obrigada

Site visitado:

Talk show “A mulher e sua pluralidade de papéis” – vídeos da TV Câmara disponíveis para assisitir e baixar

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mãe malabarista

Imagem: Journal Times - Tim Ludwig / The Wichita Eagle / MCT)

A expressão “vida de malabarista” sugere uma existência caracterizada por atividade incessante, consciência e concentração, em que o verdadeiro “truque” consiste em manter a ilusão de ausência de esforço.

[…] O castigo para a malabarista de sucesso é maior ainda que para a fracassada. Quanto melhor você é na sua arte, tanto mais vai ter que trabalhar. E quanto mais você trabalha, tanto mais invisíveis se tornam seus esforços.

(MAUSHART, Susan. “A máscara da maternidade – porque fingimos que ser mãe não muda nada?” São Paulo: Editora Melhoramentos, 2006. pp 242-243)

Eu trabalho na Câmara dos Deputados, na área de Comunicação. No dia 31 de março deste ano, por ocasião das comemorações do Mês da Mulher, foi organizado o talk show “A mulher e sua pluralidade de papéis”. A imagem de divulgação era uma sequência de desenhos com a mesma mulher em várias situações: executiva, mãe, atleta, dona de casa e assim por diante.

Na época, postei no Facebook meu desconforto em relação a essa imagem: “não pela pluralidade em si, que pode ser enriquecedora, mas pela insistência no conceito de mulher multitarefa e perfeita em todos os papéis. Ainda dizem que é um atributo cerebral feminino, inato, naturalizando sem questionar. Para mim, esse ‘pedestal’ só gera uma vida fragmentada, exaustiva e frustrante.”

Os comentários foram muito legais! Desde a observação de que todos podem ser múltiplos, tanto homens quanto mulheres; à constatação de que entramos numa piração cansativa, mesmo quando temos consciência de que não precisamos disso. E ainda a vontade de ser só “eu” mesma, sem papel nenhum…

Minha amiga Vera Morgado, a apresentadora do evento, sugeriu que eu abrisse a questão no debate.

Minha pergunta para as debatedoras foi a seguinte:

Fala-se muito da mulher malabarista. Mas a malabarista tem os pratos no ar. Ela não se apropria dos pratos. Não prioriza nenhum para eles não caírem. Se cai um prato, ela é que se quebra. E, quando segura os pratos, o espetáculo acaba e ninguém presta atenção, ninguém valoriza. Como fugir dessa metáfora?

As respostas das participantes do talk show foram muito interessantes!

A atriz Elisa Lucinda falou sobre o perigo de nós confundirmos nossa personalidade com as tarefas que desempenhamos. E que não devemos sofrer com o prato que caiu, afinal, “vão-se os broches, ficam os peitos”.

A psicóloga Carmita Abdo disse que devemos aproveitar nossa característica feminina de multitarefa em nosso benefício, agregando, pacificando, em prol de nosso progresso pessoal.

E a deputada Janete Pietá resumiu em uma frase tudo que eu busco hoje:

Melhor que ser malabarista é ser a dona do circo.

É sermos gerentes de nós mesmas.

Melhor chefe do mundo!

 

Mães de animações e seriados 3: Por que a gente se identifica e se espelha nelas?

Nunca foram necessárias tantas qualidades para que uma mulher se sinta uma boa mãe, como nas últimas gerações. Um misto de administradora, executora, conciliadora, sempre com um sorriso no rosto e uma deliciosa refeição à mesa, tudo sem descuidar da beleza. Mas a mais preciosa e indispensável de todas as características é o amor incondicional, a capacidade inesgotável de suportar tudo a fim de manter a unidade da família.

Aminatta Forna encontra a imagem que melhor representa o amor materno: Nossa Senhora. Mas, segundo ela, é fácil ser plácida e serena com um bebê como o menino Jesus. Ser plácida e serena com filhos como Bambam Rubble (que hoje seria considerado hiperativo), Bart Simpson e Baby Sauro é muito mais heroico – e digno de admiração.

Para Elizabeth Badinter, esse conceito de amor materno (ou mesmo a noção de “instinto maternal”) é algo que foi construído – e o mais instigante: não pelas mães. O que ela chama de mito do amor materno tem sua raiz na necessidade de mudança de foco em relação à infância: as crianças, antes tidas como seres imperfeitos e incompletos que necessitavam de correção, passam a encarnar a esperança do futuro. A partir desse momento, os especialistas se dedicam de forma insistente a provar que sobre a mãe recai a responsabilidade primordial (e exclusiva) de formar os novos indivíduos.

Com o passar do tempo, o conceito fabricado de amor materno passou a ser ampla e irrefutavelmente aceito, naturalizado como se sempre tivesse existido.

Segundo Trisha Ashorth e Amy Nobile, muitas transformações ocorreram na vida de muitas mulheres das últimas gerações, que as impede de olharem para as próprias mães como modelos.

Susan Maushart enfatiza ainda a presunção e arrogância que torna maior o abismo entre as mães de hoje e a de mulheres que as antecederam na maternidade. Para ela, um conhecimento inestimável foi perdido com a quebra desse elo, inédita na história da humanidade. Tudo sob a alegação de que as mães da geração atual podem fazer diferente.

As mulheres não se espelham mais nas próprias mães. A grande contradição é que, enquanto os ideais de perfeição no “fazer” mudam com o tempo, os ideais de perfeição na postura da “mãe perfeita” se mantêm.

Somado à constatação de que as crianças também mudaram muito – a mulher também não vê nos filhos a criança que foi –, tudo isso resulta em um perene sentimento de inadequação, de estar perdido, em busca por um lugar.

Para Diana e Mário Corso, os pais parecem andar com aquele adesivo: "Não me siga, eu também estou perdido!"

Em sua experiência de psicanalistas, Diana e Mario Corso relatam o “sofrimento daqueles que julgam estar na família errada, uma ideia de que sua família não é como deveria ser ou não se comporta adequadamente como uma ‘verdadeira família’.” Os autores se perguntam: e qual é a família certa para os dias de hoje?

Sem bússola, e diante do excesso de escolhas, de expectativas e de responsabilidades, as mães encontram na mídia modelos dourados, que se acredita serem eternos desde sempre.

Sempre paira a tentação de se atribuir à “indústria cultural” (ou qualquer outra nomenclatura mais moderninha) a massificação de valores a fim de se obter boa-vontade por parte do público. Em outras palavras, a “teoria da conspiração”, que estaria “por trás” da fixação desses modelos da mãe perfeita, de paciência infindável, que se anula em prol da família.

Entretanto, o papel da mídia aqui é outro. As razões do sucesso desses produtos, ainda que sejam fonte de inspiração, repousam mais na necessidade de compartilhamento de experiências. Desenhos e seriados populares são produtos de entretenimento que colhem, sedimentam, reforçam, retroalimentam modelos que não são impostos, são acolhidos pelas mães de forma natural.

Para uma parcela de mães, a responsabilidade exclusiva pela criação dos filhos é um “poder” do qual não querem abrir mão e pelo qual abrem mão de todo o resto – razão da indignação de Helena no diálogo citado anteriormente. Para elas, um poder que só é legítimo pela via do sofrimento e da renúncia. Qualquer outra coisa que fuja a esse princípio é considerado egoísmo e só leva a um destino: o da eterna culpa.

“Como mulheres, e principalmente como mães, ainda não deixamos de ter medo de que, se é bom, deve ser egoísmo – e que cuidarmos de nós mesmas significa inevitavelmente faltar com nosso primeiro e mais legítimo dever: cuidar de todos os outros.”  (Susan Maushart)

 Assim, em muitos casos são as próprias mães que se agarram a esses padrões de perfeição. “Conspiração”, para elas, seria o que é praticado por quem tenta chamar a atenção para os padrões, quem tenta “libertá-las”: são as “máfias” das feministas, dos médicos, dos fabricantes de leite, dos homens, do sistema, do capitalismo, enfim.

Quando a realidade insiste em se impor ao idealizado, surge o mal-estar; mas, ainda assim, elas preferem continuar ostentando sua “máscara da maternidade”, como diz Susan Maushart.

“Quem quer a pressão de ser super em tempo integral?” pergunta o Sr. Incrível. Do que se depreende da presente análise, muitas mulheres querem.

Talvez por absoluta falta de opção do que pôr no lugar.

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Veja também:

Mães de animações e seriados 1: Por que elas são consideradas “boas mães”?

Mães de animações e seriados 2: O que elas têm em comum?

Mães de animações e seriados 4: Curiosidades imperdíveis

Mães de animações e seriados: Toda a série

De Wilma Flintstone à Mulher Elástica: Formações imaginárias da mãe em animações e seriados – artigo completo apresentado no XXXIV Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Intercom 2011

A Linguagem Secreta da Birra

Sites visitados:

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Tenho visto diversos livros e artigos que se dedicam a ensinar os pais a reconhecer, combater e até mesmo a prevenir a birra infantil. O objetivo máximo é evitar que esse comportamento se prolongue, intensifique, repita ou se torne uma constante. Muito do que li, entretanto, foca a birra do ponto de vista dos pais, em busca de algo que aplaque o alto poder irritante que ela tem sobre os adultos. Este post procura revelar a birra pela perspectiva da criança – a linguagem secreta dessa prática. E fala da importância de desenvolver a maturidade emocional: para filhos e também para mães e pais.

Para lidar com a birra, em primeiro lugar, a gente tem que afastar as possibilidades universais que estressam uma criança. São elas, segundo as Motherns:

  • TPS: Tensão Pré-Soninho;
  • TPA: Tensão Pré-Almoço;
  • TPD: Tensão Pré-Dentinho.

(CORRÊA, Laura Guimarães & OLIVEIRA, Juliana Sampaio. “Mothern: manual da mãe moderna”. São Paulo: Matrix, 2005)

 As Motherns também mencionam a “Verdade”: a de que todas as crianças choram. Em algumas vezes, só por vontade de dar uma chorada básica, mesmo. Sem razão. E sem neura, é bom extravasar, normal até para os adultos.

Vamos lembrar ainda que a criança tem o “prazo de validade de alegria”. Não insista em compras quilométricas em supermercados, visitas intermináveis ou outro programa típico de adulto quando sentir que esse prazo está findando.

Outra possibilidade é a criança ficar doentinha e, por isso, mais sensível e manhosa.

Esses casos tem origem certa e geralmente se resolvem com a supressão das tensões. Vamos então aos casos mais complicados.

Muitas vezes, nossos filhos estão assim:

Claudia Bebê n523B

Pais & Filhos 394

 

Guia da Mamãe 3

 
 

Crescer 98

 
 

Meu Nenê n85

Mas, muitas vezes, eles também estarão assim:

Família Bico. Montagem de Marusia com foto de Duchessa / Stock Xchng

Guia da Manha. Montagem de Marusia com foto de GerryT / Flickr

Meu Auê. Montagem de Marusia

Pitis & Pirraças. Montagem de Marusia com foto de Capture Queen / Flickr

Em um post só não iria caber tudo, então fiz uma série (cada item é um link)

  1. ACESSO DE RAIVA – Sobre esse eu já tinha escrito: Seu filho como você sempre sonhou
  2. TEIMOSIA
  3. FASTIO
  4. NECESSIDADE DE PALCO
  5. ATENÇÃO NEGATIVA
  6. O que é importante saber

P.S.: Essa sequência de posts foi escrita para todo mundo que se identifica, mas tendo em mente um destinatário em particular: eu mesma. (VIU, MARUSIA???)

Liberdade

Gostei muito deste texto:

Muitas pessoas preferem a dependência à liberdade, mas conscientemente elas negarão veementemente isso. […] Quando as pessoas são dependentes, elas são como pássaros numa agradável e limpa gaiola de ouro, onde seu suporte mútuo, embora reconfortante, na verdade os mantém presos. […] Elas cantam uma canção em particular e os versos são “culpa, queixa e comparação”. […] Nunca se esquecem dessas palavras, sempre encontrando algo, alguém ou alguma circunstância sobre a qual cantar. Nunca olhando para si mesmas, elas não percebem o seu próprio potencial para ir além dos limites auto-impostos, para se libertarem. Não percebem que são elas mesmas que dão poder às situações negativas e que tornam as outras pessoas e as outras situações os seus senhores.

Elas voam em círculos em sua gaiola circular de limitações, algumas vezes sentindo a frustração destes limites e reclamando sobre eles, mas raramente percebendo que criaram suas próprias gaiolas. Afinal de contas, uma gaiola pode ser conveniente e confortável e, acima de tudo, ela é familiar.

Quanto menos as pessoas olham para si mesmas, mais elas olham externamente, projetando as responsabilidades sobre os outros. Cada projeção cria outra barra na gaiola. A chave dessa gaiola está sempre ao alcance, pois está lá dentro.”

STRANO, Anthony. “O Ponto Alpha – um relance de Deus”. São Paulo: Organização Brahma Kumaris, 1999. Pp58-60

Veja também:

Perigo de ser Mãe Perfeita 5 – Vá pela sombra

Tome uma atitude MATERNAL

Falando de sexualidade

Site visitado:

Aprendiz de Mãe – As crianças e a transmissão da cultura

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Ilustração de Alice Charbin para Mini Larousse do Corpo Humano

Cresci com 4 irmãos. Acostumadíssimos a tomar banho juntos – uma farra! Meus pais nunca trancaram a porta do banheiro, então era supernatural vê-los sem roupa. Sempre com muito respeito, claro. A conversa sempre fluiu tranquila, muito livro pra ler. Mas, ao mesmo tempo, muita inocência. Lembro de um de nós, com um tom risonho, segredando para os outros: “papai e mamãe transaram cinco vezes kkkkkkkkk!”

A vergonhinha veio na adolescência, a timidez para comprar modess (modess!!! vixi, tô ficando velha rsrs), sutiã e afins. Mas tudo sempre com muita naturalidade e cumplicidade.

Não tinha como ser diferente aqui em casa. A meninada toma banho com a gente, sempre há abertura para tirar qualquer dúvida.

Quando minha filha nasceu, o mais velho ficou intrigado com uma anatomia tão “explícita” (diferente da minha rsrsrs):

– Mãe! Olha! Ela não tem pinto! E o bumbum vem até a frente!!!!

***

Essa história de bumbum ainda rendeu. Quando minha cunhada ficou grávida, meu filho perguntou:

– O médico vai cortar sua barriga pra tirar o neném?

– Vou torcer para que não, querido.

– Ué, mas aí ele vai sair como?

-(já ficando vermelha) Ora, do jeito natural.

– Como?

– Por baixo.

– Onde?

– Por baixo…

Ele parou, pensou e perguntou curioso e empolgadíssimo:

– Mas aí o seu bumbum vai ter que abrir muito!!!!

– (rindo muito) Pois é, vai ter que ser!

Ilustração de Alice Charbin para Mini Larousse do Corpo Humano

***

Mais tarde, ele viu uma propaganda da campanha de prevenção à Aids: Não deixe a Aids te pegar, use camisinha. Seguiu-se o diálogo:

– Mãe, o que é Aids?

– É uma doença. As pessoas ficam com problemas nas células de defesa e podem pegar outras doenças.

– Quando a gente usa a camisinha, não pega?

– Não pega.

– Só de usar uma camisa?

– Bom, na verdade, não é bem uma roupa.

– Não? É como, então?

– É uma coisa que o homem coloca no pinto.

– Por quê, a Aids pega pelo pinto???

Observe-se que, até então, ele tinha somente a noção de que papai põe uma sementinha na mamãe e estava satisfeito. Até já sabia que o bebê saía da barriga da mãe “por baixo”. Mas, agora, a explicação tinha que se enveredar por mais detalhes. Fiquei com vergonhinha, botei desculpa na presença da irmã menor no recinto e apelei para o maridão.

Achei supercomédia quando cheguei à noite e vi, sobre a mesa do escritório, o livro da Larousse sobre corpo humano, cheio de páginas marcadas. Ele não me deixou acompanhar a conversa: “Ah, não, você jogou a pepinosa na minha mão, agora somos só eu e ele.”

Fiquei pra morrer de curiosidade, mas respeitei. Ao final, meu marido contou:

– Fui respondendo à medida que ele perguntava, nem mais nem menos. Ele me olhou e falou: “Só isso? Intão tá.” E foi brincar.

Dirimidas as dúvidas, diferenciados “bumbum” do órgão sexual feminino e tudo mais, fiquei contente: o mecanismo está todo explicadinho e bem aceito; a inocência continua.

Dá, sim, para mostrar para nossos filhos como a sexualidade é natural – e linda.

Ilustração de Alice Charbin para Mini Larousse do Corpo Humano

Sugestões de livros:

Livro "Sexo não é bicho papão", de Marcos Ribeiro. Editora Zit.

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

Coleção Tris-Trás - Livro "De Onde Eu Venho?", de Sergi Càmara. Editora Escala

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 

Livro "Planeta Eu: Conversando sobre sexo", de Liliana e Michele Iacocca. Editora Ática

As coisas não acontecem como a gente quer

Sites visitados:

Ser mãe é descobrir a arte de morder a língua

Coisas que o manual da mamãe não diz

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 As coisas

as coisas não acontecem

como a gente quer

 

nem mesmo como a gente

não quer

 

as coisas nunca pedem

a nossa opinião

(DÍDIMO, Horácio. Amor, palavra que muda de cor. São Paulo: Ed. Paulinas, 1984)

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Os filhos nascem, os filhos crescem, nem sempre “as coisas” acontecem da maneira como planejamos, ou imaginávamos. Ninguém conta, realmente, com o fato de um dia se deparar com uma birra, uma nota baixa, uma doença ou mesmo uma síndrome grave. Um dia chato, um cansaço, uma tristeza nunca fazem parte do que a gente pensa sobre os filhos antes de tê-los.

A blindagem da gravidez

O advento da gravidez é um fenômeno intrigante. No momento em que recebemos o resultado, algo diferente começa a se processar em nossa mente. É como se nos revestíssemos de uma poderosa armadura, que nos tornasse imunes a qualquer coisa.

Por quê? Porque estamos sob a égide do sonho. Porque nos achamos diferentes. Porque achamos que, por sermos diferentes, nossos filhos serão diferentes. Porque achamos que, se FIZERMOS diferente, nossos filhos também farão diferente.

O choque da realidade

Aí o bebê nasce. E tudo que a gente concebia começa a cair por terra, nos primeiros choros, nas primeiras noites em claro, nas primeiras desobediências e tudo mais que se segue naturalmente na infância.

Então, nasce o filho, mas também a mãe, o pai, a família. São todos recém-nascidos. O que nem sempre nos damos conta é que, paulatinamente, morrem as fantasias: o bebê perfeito, a mãe perfeita, a família perfeita, a vida perfeita.

E “as coisas” se sucedem, independentemente  do que a gente faça e de quem a gente seja. Coisas que não estão nos manuais. Que nos forçam a morder a língua. Achávamos que, conosco, seria diferente… E é mesmo… diferente do que a gente pensava kkkkkkkkk!

Nossa primeira reação pode ser de silêncio. Em seguida, a busca: o que está errado? Quando começamos a descobrir que outras pessoas passam ou passaram pela mesma experiência, sobrevém o sentimento de alívio. E, depois, a vontade de expressar.

O alerta no megafone

Surge um afã inesgotável de dizer pra todo mundo o que sentimos, de compartilhar, de alcançar plateias, para que ninguém precise “padecer no paraíso”. Mas tudo é um misto de muito altruísmo com muita ingenuidade.

E por quê?

Porque estamos sob a égide do sonho. Pensamos que nossas experiências podem fazer a diferença. Mas, do mesmo modo que não temos controle sobre o impacto que nossa experiência pode ter para nossos filhos, descobrimos que não temos a menor influência sobre as grávidas e neomamães. Elas, afinal, estão blindadas, filtrando as informações para continuarem sob a égide dos sonhos… Quem sou eu para dizer nada?…

 O que realmente faz diferença

Chegando nesse ponto do caminho, entre a desilusão e as altas doses de “vida real”, talvez a gente se sinta um pouco hesitante de dar o próximo passo. O segredo é não ficar passivo, nem “maria vai com as outras”. Ora, o tempo todo eu quero que “as coisas” ouçam, sim, a minha opinião. Acho legítimo querer ser a protagonista – melhor ainda, a roteirista da minha história.

Mas nunca devemos esquecer a lição – a mais rica de todas – que o “choque de realidade” nos proporciona: a humildade. A humildade de aceitar que não sou a dona da verdade. O que, cá pra nós, também é um alívio.

Veja também:

Biblioteca da Mãe desencucada

Conselhos que amei

O sacrifício faz de você uma mãe melhor?

Você está esperando seu filho há muito mais de nove meses – Marusia fala

Biblioteca da Mãe Desencucada

Mafalda, que que você deu para tua mãe no Dia das Mães? Um livro. Fala sério, que que você deu? Mas é sério, dei um livro. Um livro, sei, agora você está me achando com cara de bobo! Você acha que eu não sei que tua mãe já tinha um?

Ao longo dos anos desde que me tornei mãe, enfrentei várias fases. No início, com o primeiro filho, via um amor incomensurável mas também SOBRECARGA. Pensava que era “normal”, então me calei em um silêncio resignado e envergonhado. Senti SOLIDÃO. Em seguida, veio o sentimento de INADEQUAÇÃO, a PERPLEXIDADE. Que não me empurrariam para nenhum outro lugar diferente de uma posição de CONFRONTO. Essa fase foi a mais cruel.

Daí, comecei a descobrir nos livros gente que não apenas passou pelo que passei e sentiu o que senti. Era gente que já estava até teorizando a respeito do assunto.

Nesse Dia das Mães, quero “socializar” a informação. Dividir o percurso, atualmente em fase de TOMADA DE CONSCIÊNCIA, APAZIGUAMENTO. Melhor dizendo: DESENCUCAMENTO.

Já aviso de antemão: muitas vezes a inocência protege a gente. Ter acesso a determinados conteúdos internos é como tomar a pílula de Matrix.

Fase 1: É só comigo?

“Só depois de ter seu próprio bebê você descobre ‘A Verdade’ universal e irrefutável: criança chora mesmo!

“Mesmo a criança mais amada, cuidada, bem-tratada, saudável e feliz… chora. Mesmo as mais calminhas.

“[…] É claro, existem choros que indicam problemas: cólicas, fome, alguma dor, doença, maus tratos. Mas, excluídas essas possibilidades (e outras que eu possa ter esquecido) ainda assim ‘A Verdade’ é válida: criança chora mesmo.

“[…] Na verdade, as crianças não têm ainda maturidade emocional para falar para você: ‘Olha, mãe, não se preocupe, tá tudo bem, mas dá licença que agora me deu uma vontade de dar uma chorada boa, assim, só para relaxar, tá? Por favor, não me leve a mal’.”

CORRÊA, Laura Guimarães & OLIVEIRA, Juliana Sampaio. “Mothern: manual da mãe moderna”. São Paulo: Matrix, 2005 Pp50-51

“[…] a gravidez é uma péssima preparação para a maternidade. Quando ficamos grávidas, compramos roupas novas, cuidamos da alimentação, evitamos fazer esforço, colocamos os pés para cima e prestamos atenção permanente a qualquer mudança em nosso precioso corpo. […] Quando o bebê chega, o que acontece? Nunca mais colocamos os pés para cima, usamos camisetas velhas cobertas de banana amassada seca e carregamos uma carga de chumbo o dia inteiro. […]

“A gravidez só prepara você, realmente para o parto – que, embora duro, é, no fundo, um evento em que você é o centro das atenções. […] Você nunca pensa em se preparar para todos os anos depois dessas poucas horas de emoção, quando você será apenas o pano de fundo para o crescimento do bebê e quando longe de elogiar seu desempenho – o mundo inteiro a culpa explicitamente por todo machucado, birra e mau comportamento de seu filho.”

PURVES, Libby. “Como NÃO ser uma mãe perfeita”. São Paulo: Publifolha, 2003 P15

Fase 2: Quero colocar a mão na massa

“Não é preciso dizer que, se você tem filhos, provavelmente possui o bom senso de saber que não conseguirá controlar tão cedo sua vida como mãe. Nem adianta tentar: isso também não a tornará mais feliz.”

ASHORTH, Trisha & NOBILE, Amy. “Eu era uma ótima mãe até ter filhos”. Rio de Janeiro: Sextante, 2008 P67

“Muitos papais e mamães ficam em sérias dificuldades ao tentarem colocar em prática aquelas ideias tão lindas que tinham em mente ao iniciarem o longo e delicado caminho da formação das novas gerações: ‘comigo vai ser diferente; não vou ser igual aos meus pais em nada…’, afirmam, convictos. Cheios de boas intenções lá vão eles e… de repente, as coisas deixam de ser tão simples e fáceis. Pelo contrário. O dia-a-dia parece se tornar muito, mas muito complicado mesmo.

“[…] Onde foi que eu errei? Perguntam-se, desesperados, os pais. Afinal, conversam, explicam, não agridem, não impõem, não batem, não castigam… e, no fim, a vida está virando um verdadeiro inferno, quanto mais fazem, mais os filhos querem que se faça.”

ZAGURY, Tania. “Limites sem trauma”. 43 ed.- Rio de Janeiro: Record, 2002. P15

Fase 3: Quero conhecer minha essência feminina

“Como alimentar a intuição para ela seja bem-nutrida e responda aos nossos pedidos de que esquadrinhe as cercanias? Nós a alimentamos de vida – ela se alimenta de vida quando nós prestamos atenção a ela. De que vale uma voz sem um ouvido que a receba?”

ESTÉS, Clarissa Pinkola. “Mulheres que correm com os lobos.” Rio de Janeiro: Rocco, 1994. P118

“A gravidez é um processo que afeta a identidade da mulher, altera seu senso físico e convida-a a reconsiderar vários aspectos dessa identidade: na relação com seu corpo, com o pai da criança, com seus próprios familiares, com os outros planos e esperanças para sua vida e com a imagem social da mulher grávida.”

GALLBACH, Marion Dauscher. “Sonhos e gravidez: Iniciação à criatividade feminina.” Ed. Paulus, 1995. P11

Passadas as fases iniciais, a coisa vai ficando mais punk. A fase seguintes são recomendadas SOMENTE PARA QUEM TEM ESTÔMAGO:

Fase 4: Quero conhecer as raízes históricas do mito da mãe perfeita (condições de produção do discurso)

“Enclausurada em seu papel de mãe, a mulher não mais poderá evitá-lo sob pena de condenação moral.

“[…] Ao mesmo tempo em que se exaltavam a grandeza e a nobreza dessas tarefas, condenavam-se todas as que não sabiam ou não podiam realizá-las  à perfeição.

[…] Tomara-se o cuidado de definir a ‘natureza feminina’ de tal modo que ela implicasse todas as características da boa mãe. Assim fazem Rousseau e Freud […]: sublinham o senso da dedicação e do sacrifício que caracteriza, segundo eles, a mulher ‘normal’. Fechadas nesse esquema por vozes tão autorizadas, como podiam as mulheres escapar ao que se convencionara chamar de sua ‘natureza’?”

BADINTER, Elisabeth. “Um amor conquistado: o mito do amor materno”. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985. P238

“Nos anos 1990, o resultado acumulado da chuva de conselhos e ameaças é uma hiperconscientização em relação à maternidade, principalmente entre mulheres da classe média, muitas das quais trabalham e têm filhos depois dos trinta anos. As pressões atuais sobre as mães significam que essas mulheres embarcam na maternidade com uma culpa antecipada e assumem seu papel com um enorme grau de ansiedade, decididas a fazer tudo certo, decididas a não serem criticadas. A falta de apoio da sociedade em geral as deixa como trapezistas de circo voando sem rede de segurança, sem poder se dar ao luxo de um único erro. Tudo é sublimado em função das necessidades e desejos do filho.

“[…] Como a responsabilidade a culpa são de cunho pessoal e intransferível, a mãe se considera absolutamente indispensável e ninguém mais […] para cuidar da criança. Para as não mães parece ridículo, mas ela, movida a culpa e medo, não consegue ver os excessos em suas ações. Aí estão os ingredientes da tragédia.”

FORNA, Aminatta. “Mãe de todos os mitos: como a sociedade modela e reprime as mães”. Rio de Janeiro: Ediouro, 1999 Pp22-23

Fase 5: Quero a verdade, não me esconda nada

“É um caso clássico de que a literatura psicológica chama do paradoxo de ‘ser espontâneo’. ‘Confie em seus instintos’, recomendam os especialistas – e depois passam a ditar e controlar todo e qualquer ato das mães. A própria existência desses textos solapa […] a confiança da nova mãe não só em seu próprio discernimento, como também na sabedoria acumulada das outras mulheres da mesma idade e das mais velhas.”

MAUSHART, Susan. “A máscara da maternidade: por que fingimos que ser mãe não muda nada?” São Paulo: Editora Melhoramentos, 2006. P181

“Toda gestação, mesmo tratando-se de uma gravidez desejada, é potencialmente assustadora. Uma vez deflagrada, mostrará um poder maior que a vontade da mulher em cujo interior se desenvolve. Tudo o que nos coloca em uma posição indefesa, passiva, poderá ser sentida como uma evocação do nosso desamparo infantil e da insuficiência que sentíamos quando éramos incapazes de sobreviver sem ser alimentados, abrigados e carregados.”

CORSO, Diana Lichtenstein & CORSO, Mário. “A psicanálise da Terra do Nunca: ensaios sobre a fantasia”. Porto Alegre: Penso, 2011 P32

Por último…

Fase 6: Já sei disso tudo, agora quero canja de galinha

Descubra por que uma plantinha murcha pode ser o melhor presente do Dia das Mães:

Flores para o Dia das Mães

 

Flores para o Dia das Mães

Flores para o Dia das Mães

Patricia A. Rinaldi

“Quando meu marido anunciou calmamente que, após onze anos de casamento, havia dado entrada em nosso divórcio e estava saindo de casa, meu primeiro pensamento foi para os meus filhos. O menino tinha apenas cinco anos e a menina, quatro. Será que eu conseguiria nos manter unidos e passar para eles um sentido de “família”? Será que eu, criando-os sozinha, conseguiria manter o nosso lar e ensinar-lhes a ética e os valores dos quais certamente precisariam para a vida? A única coisa que eu sabia era que precisava tentar.

Frequentávamos a igreja todos os domingos. Durante a semana, eu arranjava tempo para rever os deveres de casa com eles e, frequentemente, discutíamos a importância de fazermos as coisas certas. Isso me tomava tempo e energia quando eu tinha pouco de ambos para dar. Mas o pior era não saber se realmente estavam absorvendo tudo aquilo tudo.

Ao entrarmos na igreja no Dia das Mães, dois anos após o divórcio, notei carrocinhas cheias de vasos com os as mais lindas flores ladeando o altar. Durante o sermão, o pastor disse que, a seu ver, ser mãe era uma das tarefas mais difíceis da vida e que merecia não só reconhecimento como, também, recompensa. Assim, pediu que cada criança fosse até a frente da igreja para escolher uma linda flor e entrega-la à mãe como símbolo do quanto era amada e estimada.

De mãos dadas, meu filho e minha filha percorreram o corredor com as outras crianças. Juntos, refletiram sobre qual planta trazer para mim. Nós havíamos passado momentos muito difíceis e esse pequeno gesto de valorização era tudo que eu precisava. Olhei aquelas lindas begônias, as margaridas douradas e os amores-perfeitos violetas e pus-me a planejar onde plantar o que quer que escolhessem para mim, pois certamente trariam uma linda flor como demonstração do seu amor.

Meus filhos levaram a tarefa muito a sério e olharam cada vaso. Muito depois de as outras crianças já terem retornado aos seus lugares e presenteado suas mães com uma linda flor, meus dois ainda escolhiam. Finalmente, com um grito de alegria, acharam algo bem no fundo. Com sorrisos exuberantes a iluminar seus rostos, avançaram satisfeitos pelo corredor até onde eu estava sentada e me presentearam com a planta que haviam escolhido como demonstração de seu apreço por mim pelo Dia das Mães.

Fiquei olhando estarrecida para aquele pequeno ser roto, murcho e doentio que meu filho estendia em minha direção. Aflita, aceitei o vaso de suas mãos. Era óbvio que os dois haviam escolhido a menor planta, a mais doente de todas – nem flor tinha. Olhando para rostinhos sorridentes, percebi o orgulho que sentiam daquela escolha e, sabendo o quanto haviam demorado para selecionar aquela planta em especial, sorri e aceitei a lembrança.

Mais tarde, no entanto, tive de perguntar – de todas aquelas flores maravilhosas, o que os havia feito escolher justamente aquela para me dar?

Todo orgulhoso, meu filho declarou:

– É que aquela parecia precisar de você, mamãe.

Enquanto as lágrimas escorriam pelo meu rosto, abracei meus dois filhos, bem apertado. Eles acabavam de me dar o maior presente de Dia das Mães que jamais poderiam ter imaginado. Todo o meu trabalho e sacrifício não havia sido em vão – eles iam crescer perfeitamente bem.”

 CANFIELD, Jack (org.). “Histórias para aquecer o coração das mães.” Rio de Janeiro: Sextante, 2002. Pp 133-135

Perigo de ser mãe perfeita 1 – O que é ser mãe perfeita hoje?

O problema já começa no conceito. Queremos ser perfeitas, mas não temos muita noção do que isso significa. É, porque toda hora esse referencial muda. Sabe a sensação de “mudar a regra no meio do jogo”? Ou “trocar o pneu com o carro andando”? Mais ou menos isso.

Hoje, o que está em voga é a mãe perfeita natureba. Acontece que, há bem pouco tempo, mãe perfeita tinha que ter o parto no hospital, que afirmavam ser mais “científico” e seguro; dar leite artificial e farinha láctea na mamadeira, que diziam ser mais prático e mais nutritivo, além de permitir independência à “nova mulher moderna”; ser produtiva, desde que dedicasse “tempo de qualidade” aos filhos.

Há apenas uma geração atrás, mãe perfeita enfaixava o umbigo, dava de mamar de 3h/3h, oferecia chazinho de camomila à noite, punha para dormir de bruços, entupia o bumbum DO bebê de talco, dava biotômico Fontoura. Benzetacil era a promessa de cura para todo e qualquer mal. Tudo era meticulosamente esterilizado e haja álcool, inseticida e antibacteriano. Depois de criar um batalhão de alérgicos e ressuscitar superbactérias, trouxeram de volta a ideia da “vitamina S” e “se sujar faz bem”.

Pois ainda houve época em que se aconselhava deixar os filhos chorando, para não ficarem mimados. Aliás, diziam que chorar fazia bem para o pulmão. Que todos os banhos deveriam ser gelados, para aumentar a imunidade. Na década de 1970, era o oposto. Criança tinha que ser plenamente satisfeita, para não ficar traumatizada. Em seguida, mudaram o discurso: tem que impor limites.

Do meu primogênito ao caçula, descobri que tinha que esfregar os mamilos na gestação – depois, não podia mais, não; que o bebê tinha que dormir de lado – depois, não podia mais, não. Enfim. O que não falta é teoria.

Alegam que hoje, finalmente, encontramos o mix perfeito, que somos muito mais informadas que nossas mães, e que a ciência encontrou seu ápice. Pois nem quero pensar o que nossos filhos vão achar de nós quando eles tiverem filhos rsrsrs!

“Uma escritora famosa, mãe de muitos filhos, disse-me que teve cada filho numa década diferente criou cada um segundo o método vigente no momento, com um conjunto de regras diferente e conflitante a cada vez. Se a cada nascimento de um filho ela tivesse acreditado nas palavras da sumidade da moda, concluiria que a vida do filho anterior estava irremediavelmente arruinada.”

(FORNA, Aminatta. “Mãe de todos os mitos: como a sociedade modela e reprime as mães”. Rio de Janeiro: Ediouro, 1999)

“Nós, da geração pós-feminista, parecemos ter perdido o respeito pela sabedoria de mulheres que trilharam o caminho da maternidade antes de nós. Como em todos os casos de jogar fora o bebê com a água do banho, essa foi uma perda incalculável. Em certa medida, o que não sabemos sobre a maternidade é o que nos recusamos a ouvir e ver na vida de mulheres que nos cercam, com a presunção arrogante de que somos únicas, de que vamos ser diferentes.”

(MAUSHART, Susan. “A máscara da maternidade: por que fingimos que ser mãe não muda nada?” São Paulo: Editora Melhoramentos, 2006. Pp184-185)

Minha mãe não fez curso de puericultura nem leu as toneladas de livros e artigos que eu li. Mas sabia como ninguém cantar para nós dormirmos. E tinha uma coisa especial que não está em livro algum, sobrevive a qualquer teoria e vai atravessar os tempos: LEVEZA. Algo que é totalmente impossível de alcançar quando se tem perfeccionismo.

Veja também:

Os perigos de ser mãe perfeita – Toda a série

De mãe para filha

Você está esperando seu filho há muito mais de nove meses – Marusia fala

Perigo de ser mãe perfeita 2 – Ser (ou parecer) perfeita vale o esforço?

“Mãe perfeita:

  • Sorri serenamente
  • Tem uma casa impecável
  • Pega uma fralda e a transforma numa pipa
  • Lê livros sobre o desenvolvimento das crianças
  • Nunca levanta a voz.”

(PURVES, Libby. “Como NÃO ser uma mãe perfeita”. São Paulo: Publifolha, 2003 – quarta capa)

 “Veja um exemplo parcial do que as mães nos disseram que PRECISAVAM executar:

  • Passar tempo de qualidade com cada filho individualmente […] e família.
  • Parecer descansada, descontraída, em forma e na moda – mesmo com um orçamento apertado e poucas horas de sono.
  • Fazer um jantar delicioso e nutritivo toda noite e conseguir que as crianças o comam.
  • […] Avaliar todos os prestadores de serviços: médicos, babás, professores.
  • Controlar todas as flutuações de humor de… todo mundo.
  • Voltar do trabalho com toneladas de energia para gastar com seus filhos.”

(ASHORTH, Trisha & NOBILE, Amy. “Eu era uma ótima mãe até ter filhos”. Rio de Janeiro: Sextante, 2008, p35)

Diana e Mário Corso também identificaram outra lista de pressões:

  • Ser bem-sucedida na profissão e no trabalho;
  • Ter participação no mundo, engajar-se em causas sociais;
  • Ser atraente para o marido;
  • Ser alegre e criativa com as crianças, como Mary Poppins.

(CORSO, Diana Lichtenstein & CORSO, Mário. “A psicanálise da Terra do Nunca: ensaios sobre a fantasia”. Porto Alegre: Penso, 2011, p87)

A busca pela perfeição não é mole. Em nenhuma ocupação humana. Mas a busca por ser mãe perfeita consegue ser a mais exaustiva de todas. Porque são muitíssimas as variáveis: comportamento, casa, corpo, saúde, relacionamento, intelecto, tempo, trabalho, causas sociais, tudoaomesmotempoagora, tudo irretocável.

Tudo tem que estar planejado nos mínimos detalhes, sem nenhum furo. E quem disse que a maternidade é “controlável”? Pelo contrário. Não há coisa mais fora de controle.

Aí, claro que nosso ideal de mãe perfeita se encaminha para um lugar ermo. Vou no popular: vai para a cucuia. Mas nós não queremos dar o braço a torcer: continuamos perfeitas nem que seja na fachada.

Uma pesquisa no Reino Unido mostrou que:

“69% das cinco mil mulheres inquiridas admitiram ter escondido a verdade sobre a facilidade com que lidam com as exigências da vida familiar. […] Apesar de 64% das mães reconhecerem que é impossível ser a “mãe perfeita”, 41% sentem-se culpadas por não conseguirem alcançar esse ideal.”

(Mães mentem sobre forma como cuidam dos filhos. Disponível em: <http://www.mae.iol.pt/maternidade/maternidade-mae/1233026-5535.html> março de 2011)

Quase 70% admitiram que mentiam. Não ponho minha mão no fogo pelos 30% restantes, não. Mas 70% é um número considerável.

O negócio é que, tal qual a busca pela perfeição, segurar essa fachada NÃO É MOLE. Para dizer a verdade, é MUITO mais desgastante que as exigências da maternidade em si.

São necessários oito braços para fazer tantas tarefas. Mas apenas dois para abraçar seu filho.

 Veja também:

Os perigos de ser mãe perfeita – Toda a série

O sacrifício faz de você uma mãe melhor?

Tô ocupada

Perigo de ser mãe perfeita 4 – Mãe perfeita quer família perfeita

Esse item é primo do item 3. Quem foi que disse que nossos filhos querem ser perfeitos? Que nosso marido quer ser perfeito? Ou seja, a gente endoida e quer endoidar todo mundo também, para que eles se encaixem em padrões que NÓS criamos. E nossa família pode simplesmente não estar a fim.

Além disso, ser mãe perfeita significa nunca falhar. Nunca errar.

“Hoje, qualquer mulher que decide ser mãe o faz com o cuidado e o medo de quem desarma uma bomba.”

“Vemo-nos refletidos das promessas de sucesso ou fracasso de nossos filhos, enquanto antes era o contrário, era nos antepassados que vinha nosso valor. Em função disso, como sabemos que tudo o que fizermos ou pensarmos influenciará o destino deles, nunca tivemos tanto medo de errar.”

(CORSO, Diana Lichtenstein & CORSO, Mário. “A psicanálise da Terra do Nunca: ensaios sobre a fantasia”. Porto Alegre: Penso, 2011, p54 e p108)

E mais: a mãe perfeita passa o exemplo de que os filhos também não podem falhar. Por medo do fracasso, eles evitam se aventurar, experimentar, CRIAR.

Veja também:

Os perigos de ser mãe perfeita – Toda a série

Perigo de ser mãe perfeita 5 – Vá pela sombra

Alguma vez você já agiu de modo esquisito, como se não fosse você? Tipo explodir e não se reconhecer depois? Eu chamo de “despertar da monstra”. O psicólogo Carl Jung chamou de “manifestação da Sombra”.

A Sombra é um aspecto da personalidade que se alimenta de tudo o que a gente rejeita, de tudo o que a gente não quer ser. Essa repressão de emoções negativas é útil para a vida em sociedade, mas a negação absoluta desse nosso “lado B” pode se transformar em uma bomba-relógio.

Quanto mais perfeita a mãe quer ser, mais lixo ela empurra para debaixo do tapete de sua psique. Quanto mais luz ela joga na perfeição, maior fica sua Sombra. E quanto mais a Sombra é ignorada, mais poderosa, perigosa e imprevisível ela fica. Parece até história de “dupla-personalidade”.

Aí, entra em cena o “triângulo nefasto”: frustração – explosão – culpa. É o que explica quando a gente se comporta de modo explosivo com as crianças, se arrepende e se pergunta depois: “fui eu mesma que fiz essas coisas?” E haja culpa!!!

Há outra manifestação da Sombra que é batata: julgar os outros. Só conseguimos identificar nos outros o que temos dentro de nós.

“Não aceitamos nos outros o que não aceitamos em nós mesmos.”

(ZWEIG, Connie & ABRAMS, Jeremiah (orgs.) “Ao encontro da Sombra”. São Paulo: Cultrix, 1991, p37)

“Precisamos culpar alguém pela nossa imperfeição.”

(CORSO, Diana Lichtenstein & CORSO, Mário. “A psicanálise da Terra do Nunca: ensaios sobre a fantasia”. Porto Alegre: Penso, 2011, p117)

Charge: Matt Golding

Então, é bom ficar atento. Se a “monstra” de quando em quando está mostrando a cara (à nossa revelia), e estamos nos dedicando muito a julgar as outras mães e culpá-las, devemos fazer uma pausa para olhar debaixo do tapete e admitir que somos duais: pessoas muito legais, mas ao mesmo tempo com problemas. Somos humanas. E isso não é ruim, não. Assumir é fazer amizade com a Sombra. Lulu Santos já cantava: sem escuridão, não haveria luz.

“Somos imperfeitos, por mais que neguemos. Naquilo que não aceitamos em nós mesmos – agressividade, vergonha, culpa, dor – descobrimos nossa humanidade”.

(ZWEIG, Connie & ABRAMS, Jeremiah (orgs.) “Ao encontro da Sombra”. São Paulo: Cultrix, 1991, p27)

"Mãe, eu posso ser uma sombra cheia de más intenções?" Charge: Stuart

Veja também:

Os perigos de ser mãe perfeita – Toda a série

Perigo de ser mãe perfeita 6 – Cresça e apareça

“O mito da maternidade é o mito da ‘Mãe Perfeita’. Ela deve ser completamente devotada não só aos filhos, mas a seu papel de mãe. Deve ser a mãe que compreende os filhos, que dá amor total e, o mais importante, que se entrega totalmente. Deve ser capaz de enormes sacrifícios.”

(FORNA, Aminatta. “Mãe de todos os mitos: como a sociedade modela e reprime as mães”. Rio de Janeiro: Ediouro, 1999)

Com essa entrega total, que inevitavelmente corresponde a uma auto-anulação, a mãe perfeita procura cercar o filho para que nada lhe falte, nada lhe incomode. O filho não tem sequer a oportunidade de sentir necessidade: a mãe lhe antecipa tudo. Lógico que essa proteção é fundamental para o bebê. O problema é quando ela se prolonga para sempre.

Isso cria um laço de eterna dependência e dificulta a construção da individualidade por parte da criança. O filho também fica sem “lastro” para a frustração, porque nunca a experimentou.

“Uma mãe, mais do que aquela que se faz imprescindível, seria a que permite que o filho construa nela, através dela e mesmo longe dela, um espaço para si.”

(CORSO, Diana Lichtenstein & CORSO, Mário. “A psicanálise da Terra do Nunca: ensaios sobre a fantasia”. Porto Alegre: Penso, 2011, p219)

Acho que a mãe perfeita nunca se deu conta de que sua perfeição pode prejudicar os filhos – justamente seu maior medo.

A banda Ultraje a Rigor fez uma brincadeira que ilustra isso muito bem:

“Meus dois pais me tratam muito bem

(O que é que você tem que não fala com ninguém?)

Meus dois pais me dão muito carinho

(Então porque você se sente sempre tão sozinho?)

Meus dois pais me compreendem totalmente

(Como é que cê se sente, desabafa aqui com a gente!)

Meus dois pais me dão apoio moral

(Não dá pra ser legal, só pode ficar mal!)

[…] Meus pais não querem que eu fique legal

Meus pais não querem que eu seja um cara normal

Não vai dar, assim não vai dar

Como é que eu vou crescer sem ter com quem me revoltar?

Não vai dar, assim não vai dar

Pra eu amadurecer sem ter com quem me rebelar?”

(“Rebelde sem causa” – Ultraje a rigor. Composição: Roger Moreira)

Veja também:

Os perigos de ser mãe perfeita – Toda a série

Viajando com crianças. Parte V: A alegria

Viajando com crianças. Parte V – A alegria

Cena 6 – um disco voador pousou e um ET menino entrou em minha casa

Um disco voador pousou no gramado em frente ao meu apartamento. Dele emanavam ondas de energia com minúsculas partículas de luz, um espetáculo lindo. Eu e meu marido, junto com meus pais e irmãos, assistíamos a tudo da janela da cozinha. Logo, havia uma porção de gente no local, inclusive pipoqueiro, sorveteiro e repórteres. De repente, duas luzinhas daquelas pousaram no chão e se transformaram em dois ETs, como os que aparecem em filmes (com a cabeça branca grande e dois olhos grandes). Usavam roupa de astronauta.

Uma dessas luzes entrou pela nossa janela, pousando devagar. Todos correram para a sala, exceto eu e meu marido. A luz se transformou também em um ET. Percebi que a cabeça e os grandes olhos eram apenas um capacete, e o ET na verdade tinha a aparência de um lindo menino loiro, de mais ou menos 7 anos. Comecei a lhe fazer várias perguntas e descobri que ele era um adulto. Estava muito assustado com tudo aquilo.

De repente, todos começaram a gritar na sala e a bater na porta para saber o que estava acontecendo. Ele se assustou mais e começou a chorar. Eu o abracei e disse que não tivesse medo, que não iríamos deixar nada de ruim acontecer. Então sugeri que fôssemos continuar a conversa em seu disco. Ele concordou.

Imagem: digitalFRANCE/Flickr

Estávamos nos preparando para desmaterializar quando meu marido deixou o casaco do ET cair no gramado. Eu fiquei com medo que aquilo chamasse a atenção e sugeri que os dois fossem na frente enquanto eu recuperaria o casaco. Eles foram e eu desci pelas escadas. Minha mãe foi atrás. Quando chegamos no térreo, tinham acabado de construir uma parede fechando a saída. Pensava que tinha que atravessar a parede, uma vez que precisava fazer a mesma coisa para chegar ao disco. A falta de fé era tanta que acabei desistindo. Minha mãe dizia que não havia mistério algum e mostrava como fazer. Mas eu dava a volta.

Isso aconteceu de verdade. Nos meus sonhos.

E também na vida real.

Quando viajei com meu primogênito, na época com 11 meses, foram sete dias em que ele não chorou nenhuma vez. Claro, antes que ele sentisse qualquer coisa, eu já tinha me antecipado a todas as necessidades. Fome? Leite quentinho, papinha pronta. Cansaço? Banheira com água morna, roupinha escolhida, tudo já preparado. Eu me transformei em uma espécie de “ministra do bem-estar”, com cada hora do dia devidamente planejada nos mínimos detalhes.

É verdade, ele nem precisou chorar. Todo mundo ficou admirado: “que coisa linda, não dá um pingo de trabalho.” Como assim? E, por que, ao fim da viagem, eu estava exausta?

Ora essa, porque eu não tinha “subido ao disco”. Enquanto meu filho e meu marido partilhavam juntos a mesma experiência e a mesma energia, eu estava na retaguarda, “pegando o casaco”, cuidando da parte burocrática e não aproveitando nada. E, exatamente como no sonho, ninguém entende como uma coisa simples pode ser vista como complicada.

Hoje eu continuo preocupada com o casaco, mas me permito subir ao disco. Seguem alguns pré-requisitos, já fazendo uma síntese do que tratamos nos outros posts da série:

  1. Ter planejamento e organização;
  2. Contar com possibilidades adversas e já arquitetar o plano B (e o C e o D);
  3. Internalizar e racionalizar o trabalho – foco no AGORA;
  4. Dar-se tempo. Como eu começo a relaxar só a partir do 3º dia, nunca planejo férias com as crianças com menos de sete dias (até porque a mala de higiene é idêntica para um dia e para sete, não vale a pena);
  5. Reconfigurar seu conceito anterior de “férias”.

Mais dicas da Libby Purves, autora do livro “Como NÃO ser uma mãe perfeita” (São Paulo: Publifolha, 2003):

  1. “O segredo, para quem tem filhos pequenos, é reduzir as expectativas em relação às atividades adultas. […] O esforço de tentar fazer uma atividade de adultos tendo junto crianças pequenas raramente vale a pena. Já me veio à cabeça que uma coisa que os pais nunca devem fazer é embarcar, com seus filhos pequenos, no tipo de excursão que lhes dava enorme prazer quando estavam sozinhos.
  2. Quem tem dois ou mais filhos abaixo dos 5 anos precisa tirar proveito de cada pequeno prazer.”

Quando você se entrega, experimenta um prazer diferente nas suas férias. É quando o momento começa a se parecer com as fotos dos anúncios dos resorts. Nossos álbuns de férias não são realmente muito diferentes. A gente só gosta de registrar os momentos felizes, não é? 

Mas, aos poucos, vai descobrindo que as melhores fotos, MESMO, não são as posadas. As poses não são naturais, saem aqueles sorrisinhos armados, congelados. As mais deliciosas histórias de viagem são repletas de tragicomédias, coisas engraçadas. E as melhores fotos captam o instante, a brincadeira, o inesperado.

Essas fotos podem até não refletir o que aconteceu na maior parte do tempo. Mas vão traduzir o que de fato importa. Aquilo que, com toda a certeza, é inesquecível.

E aí? Preparou-se para subir no disco e explorar o fantástico universo que só as crianças podem proporcionar?

Foto: The Scarer/Stock Xchng

Veja também:

Viajando com crianças. Parte I – A mala

Viajando com crianças. Parte II – As contradições

Viajando com crianças. Parte III – O clubinho

Viajando com crianças. Parte IV – Os senões

Toda a série Viajando com crianças

Tome uma atitude MATERNAL

“Quando usamos nossa capacidade de nutrir, de apoiar, de aceitar e de servir, estamos exercitando a atitude maternal. A atitude maternal libera nossos talentos para manifestar sentimentos de partilha, de parceria, de solidariedade e ajuda a dissolver bloqueios causados pela dominação excessiva e unilateral. O aspecto maternal dentro de nós vai apoiar incondicionalmente todo ser, coisa ou processo que necessite de força e de nutrição para crescer. Essa atitude cria o espaço para acolher nossas melhores expectativas, ao mesmo tempo em que se empenha amorosamente para que tudo possa vir à luz.

 Sugestões práticas para uma atitude Maternal:

  • O maternal dentro de nós é naturalmente modesto e livre de compulsões. Deleite-se mais com o que você faz!
  • Procure sentir os momentos em que você se entrega para dar e receber. Vá além do dar e do receber e concentre-se na “entrega”.
  • Veja se você está consciente da diferença entre princípio e processo. A atitude maternal compreende o princípio, mas se entrega ao processo de ver alguma coisa nascer.
  • Cuide bem da sua casa, da sua roupa, dos seus utensílios. Seja um bom guardião das dádivas da Mãe-Terra para você.”

CAFÉ, Sônia. “O livro das atitudes”. Ilustrações: INNECO, Neide. São Paulo: Editora Pensamento, 1992. pp 121-122

 Marusia fala

Gosto dessa entrega, de deixar fluir. Também gosto da ideia de que, ao mesmo tempo, devemos estar receptivos e que existem coisas em nós que merecem ser aceitas, nutridas.

Foto: Duchessa/Stock Xchng

 

Grande responsabilidade

“Mas será que eu tinha a responsabilidade de ter uma família? Ai, meu Deus – responsabilidade. Essa palavra ficou martelando na minha cabeça até eu prestar atenção nela, observá-la com cuidado, e dela derivar duas palavras que compõem sua verdadeira definição: a habilidade, ou capacidade, de responder, ou de reagir.”

GILBERT, Elizabeth. “Comer, rezar, amar”. Rio de Janeiro – Objetiva, 2008. P 102

 Marusia fala

Elizabeth Gilbert falou fundo ao meu coração, sobre a apreensão quanto à RESPONSABILIDADE – habilidade de reagir! Ora, a gente só “reage” ao que sai do nosso script – ou seja, ao que sai do nosso controle. Quando está no nosso script, a gente simplesmente age, não “reage”. E o medo de perder o controle da situação geralmente é o que me faz perdê-lo. Entendeu? (Eu também não… rs)

Como educar crianças para a paz

Como educar crianças para a paz

Laura Perls

[…] A exigência por paz está em oposição direta a um dos instintos mais vitais de todo ser vivo, notoriamente o instinto da agressividade.

Por agressividade, a maioria das pessoas entende o desejo de atacar, destruir e matar. Por essa razão, condenam esse ato com toda a força do coração, e a tendência geral da nossa civilização, há muitos séculos, é a de suprimir de maneira quase ou totalmente completa esse instinto, aparentemente o mais perigoso de todos.

[…] Usualmente, a família mediana rege da seguinte maneira: cada sinal manifesto de agressividade por parte da criança (chorar, chutar, morder, quebrar coisas etc) é tratado pelos adultos com desaprovação. A mesma desaprovação ocorre diante da impaciência infantil e de seus maus humores. Suas explosões temperamentais frequentemente levam a severas punições. Pais conscientes tentam realizar o seu ideal de bom cidadão – ideal que nem eles mesmos conseguem realizar – nos seus filhos. É dito para a criança que ela deve ser de boa natureza, obediente e respeitosa. Esse objetivo é normalmente alcançado apelando ou para o medo que a criança tem de causar algum problema ou de sofrer punição, ou pelo desejo que ela tem de ser amada.

Pode-se ter a expectativa de que pessoas que foram treinadas desde o início de suas vidas para ter consideração para com os seus vizinhos, para respeitar a propriedade, para obedecer a autoridades, teriam tido a melhor educação possível para a paz. Mas, se olharmos hoje para os países, onde centenas de gerações de pessoas foram criadas dessa maneira, devemos admitir que os resultados são bastante decepcionantes.

[…] Primeiro, a fim de entender, temos que examinar a concepção geral de comum de agressividade. Essa concepção é principalmente derivada dos efeitos que a agressividade tem sobre as pessoas que a ela são expostas. A agressividade de crianças pequenas causa muita inconveniência e aborrecimento aos adultos. Por esta razão, muitas pessoas a veem como indesejável e tentam suprimir os desejos da criança. Mas eles correm o risco de não apenas suprimir a inconveniência da criança, seus gritos e berros, mordidas, chutes e arranhões, lágrimas e destruição de coisas, mas também suprimir sua curiosidade e ânsia por saber. É claro que a ânsia de saber da criança e sua agressividade física são muito penosas para os adultos. Sua satisfação demanda muito tempo e paciência e podem ser muito inoportunos e desagradáveis. Eles até mesmo podem chamar a atenção para a própria ignorância dos adultos, o que muitos pais veem como um sério risco à sua autoridade. Mas, por outro lado, a curiosidade e o desejo de saber são condições indispensáveis ao desenvolvimento intelectual da criança, à sua capacidade de aprender e de estudar, de entender as pessoas e as circunstâncias. E a completa supressão da agressividade causa – se não estupidez ou então, certamente, séria inibição intelectual – levando à impossibilidade do pensamento crítico.

[…] É claro que a imaturidade intelectual não é causada apenas pela supressão da agressividade infantil prematura. De igual importância para o desenvolvimento do fascismo  [e mais tarde do nazismo], está no fato de que a repressão à agressividade no indivíduo geralmente traz um aumento da agressividade universal. Em todos os países altamente civilizados, podemos ver onde o indivíduo mediano não desenvolveu suas capacidades agressivas de modo considerável, mas ao contrário, ficou restrita, bem comportada, até mesmo com medo de complicações, dado que a comunidade desenvolveu seus meios de agressão a um ponto extremo, terrível, assustador. O aperfeiçoamento do maquinário de guerra (armas, tanques, aviões, bombas, gás venenoso, treinamento militar e eficiências estratégicas) parece estar na proporção direta da supressão da agressividade individual, como se a agressividade reprimida de todos os indivíduos tivesse se acumulado em algo além da individualidade e simplesmente tivesse que forçar essa saída.

[…] É um falso questionamento se reprimimos ou não reprimimos a agressividade. Já que a agressividade é um ingrediente indispensável para compor o humano, temos que usá-la, para desenvolvê-la com um instrumento valioso para administrar nossas vidas. Isso significa, particularmente, que não devemos obstruir os primeiros sinais de agressividade na criança pequena;  antes, devemos encorajá-la e apoiá-la adequadamente para tal.”

 “Como educar crianças para a paz” foi escrito em alemão e publicado em Joannesburgo, África do Sul, em 1939. Foi editado para publicação por Joe Wysog. Sua primeira publicação em inglês foi no The Gestalt Journal Press, pp 37-44, em 1992, sob o título “Living at the boundary”. (Tradução de Helena Raíra Magaldi e Elayne Magaldi Daemon).

Feche a boca e abra os braços

Minha querida tia Leninha me enviou esta linda mensagem. Já conhecia, mas foi tão bom lembrar!

“Feche a boca e abra os braços

Diane C. Perrone

Uma amiga ligou com notícias perturbadoras: a filha solteira estava grávida.

Relatou a cena terrível ocorrida no momento em que a filha finalmente contou a ela e ao marido sobre a gravidez. Houve acusações e recriminações, variações sobre o tema “Como pôde fazer isso conosco?” Meu coração doeu por todos: pelos pais que se sentiam traídos e pela filha que se envolveu numa situação complicada como aquela. Será que eu poderia ajudar, servir de ponte entre as duas partes? Fiquei tão arrasada com a situação que fiz o que faço – com alguma frequência – quando não consigo pensar com clareza: liguei para minha mãe.

Ela me lembrou de algo que sempre a ouvi dizer. Imediatamente, escrevi um bilhete para minha amiga, compartilhando o conselho de minha mãe: “Quando uma criança está em apuros, feche a boca e abra os braços.” Tentei seguir o mesmo conselho na criação de meus filhos. Tendo tido cinco em seis anos, é claro que nem sempre conseguia. Tenho uma boca enorme e uma paciência minúscula.

Lembro-me de quando Kim, a mais velha, estava com quatro anos e derrubou o abajur de seu quarto. Depois de me certificar de que não estava machucada, me lancei numa invectiva sobre aquele abajur ser uma antiguidade, sobre estar em nossa família há três gerações, sobre ela precisar ter mais cuidado e como foi que aquilo tinha acontecido – e só então percebi o pavor estampado em seu rosto. Os olhos estavam arregalados, o lábio tremia. Então me lembrei das palavras de minha mãe. Parei no meio da frase e abri os braços. Kim correu para eles dizendo:

– Desculpa… Desculpa – repetia, entre soluços. Nos sentamos em sua cama, abraçadas, nos embalando. Eu me sentia péssima por tê-la assustado e por fazê-la crer, até mesmo por um segundo, que aquele abajur era mais valioso para mim do que ela.

– Eu também sinto muito, Kim – disse quando ela se acalmou o bastante para conseguir me ouvir. Gente é mais importante do que abajures. Ainda bem que você não se cortou. Felizmente, ela me perdoou.

O incidente do abajur não deixou marcas perenes. Mas o episódio me ensinou que é melhor segurar a língua do que tentar voltar atrás após um momento de fúria, medo, desapontamento ou frustração. Quando meus filhos eram adolescentes – todos os cinco ao mesmo tempo – me deram inúmeros outros motivos para colocar a sabedoria de minha mãe em prática: problemas com amigos, o desejo de ser popular, não ter par para ir ao baile da escola, multas de trânsito, experimentos de ciência malsucedidos e ficar em recuperação.

Confesso, sem pudores, que seguir o conselho de minha mãe não era a primeira coisa que me passava pela mente quando um professor ou diretor telefonava da escola. Depois de ir buscar o infrator da vez, a conversa do carro era, por vezes, ruidosa e unilateral.

Entretanto, nas ocasiões em que me lembrava da técnica de mamãe, eu não precisava voltar atrás no meu mordaz sarcasmo, me desculpar por suposições errôneas ou suspender castigos muito pouco razoáveis. É impressionante como a gente acaba sabendo muito mais da história e da motivação atrás dela, quando está abraçando uma criança, mesmo uma criança num corpo adulto. Quando eu segurava a língua, acabava ouvindo meus filhos falarem de seus medos, de sua raiva, de culpas e arrependimentos. Não ficavam na defensiva porque eu não os estava acusando de coisa alguma. Podiam admitir que estavam errados sabendo que eram amados, contudo. Dava para trabalharmos com “o que você acha que devemos fazer agora”, em vez de ficarmos presos a “como foi que a gente veio parar aqui?”

Meus filhos hoje estão crescidos, a maioria já constituiu a própria família. Um deles veio me ver há alguns meses e disse “Mãe, cometi uma idiotice…”

Depois de um abraço, nos sentamos à mesa da cozinha. Escutei e me limitei a assentir com a cabeça durante quase uma hora enquanto aquela criança maravilhosa passava o seu problema por uma peneira. Quando nos levantamos, recebi um abraço de urso que quase esmagou os meus pulmões.

– Obrigado, mãe. Sabia que você me ajudaria a resolver isto.

É incrível como pareço inteligente quando fecho a boca e abro os braços.”

(CANFIELD, Jack. [e al.]. “Histórias para aquecer o coração das mães”. Rio de Janeiro: Sextante, 2002, pp99-102

Quando não é possível amamentar – Marusia fala

Li um post em um blog que me deixou estarrecida:

“Leite de vaca é pro bezerro;
Leite de cabra é pro cabrito;
Leite de lata é pra quem não tem mãe.
Minha filha só mama no meu peito.”

 Todas as mães que estiveram em situações de impedimento precisaram oferecer mamadeira com leite de lata a seus filhos. Essas crianças, por causa disso, não podem dizer que têm mãe???

Na resposta aos comentários, os autores do blog esclarecem o radicalismo (e depois, aqui, no Blog Mãe Perfeita. Muito legal, é no diálogo que a gente se fortalece!) Digo aqui o que disse a eles lá:

 Inspiração, incentivo, apoio, sim – sempre. Mas também precisamos cultivar uma postura de mais respeito, solidariedade e acolhimento, em vez de terrorismo, julgamento (julgamento, não! condenação!) e exclusão de quem não pôde amamentar!

 Simplesmente porque essa condenação NÃO AJUDA!

E ainda pode surtir efeito contrário: criar repulsa e resistência à causa, tão valiosa.

 Separei o trecho de um livro – poucas linhas no meio de 24 páginas inteiras falando das maravilhas da amamentação. Mas, sendo o último parágrafo, se reveste de importância:

 “Há várias dificuldades que contribuem para que algumas mulheres não consigam ou não queiram amamentar. De qualquer forma, é importante não confundir o conceito de ‘boa mãe’ com ‘mãe que amamenta’. Ser boa mãe é a mãe que se pode ser, de acordo  com sua vida e sua história pessoal, com limitações e possibilidades. Ter leite no peito é apenas uma das possibilidades – mas não a única – de aproximar-se do bebê e ter um contato amoroso e íntimo. Mas a relação de amor também pode acontecer quando o bebê é alimentado com mamadeira.”

(MALDONADO, Maria Tereza & DICKSTEIN, Julio. “Nós estamos grávidos”. 11 ed.-São Paulo: Saraiva, 2000. p 131)

 E outro texto muito bacana sobre o assunto na Revista Claudia (até ele apresenta a foto de um bebê mamando no peito da mãe!, o que mostra como a cobrança está arraigada. A despeito da imagem, vale a pena ler).

Cabe salientar que não foi escrito por um médico que faz pouco do aleitamento materno, muito pelo contrário. Quem escreveu foi Sônia Maria Salviano Matos de Alencar – Pediatra, presidente da Associação Brasileira de Profissionais de Bancos de Leite Humano e Aleitamento Materno, membro do Departamento Científico de Aleitamento Materno da Sociedade Brasileira de Pediatria e coordenadora dos bancos de leite humano da Secretaria de Saúde do Distrito Federal.

 Me sinto um fracasso porque não consigo amamentar

Revista Claudia – Dilema de mãe. Edição 516-F Editora Abril. pp4-5

  “[…]

Ser mãe é muito mais que dar o peito.

 Sua decepção também pode estar relacionada a um bombardeamento de campanhas que pregam o aleitamento materno como uma obrigação. De certa forma, essa pressão toda tem aumentado o sentimento de culpa de mulheres que por algum motivo não conseguem amamentar. É um peso que nenhuma mãe precisa carregar, muito menos aquela que fez o possível para dar conta do recado. Também não há motivo para temer pela saúde da criança. O leite materno é sem dúvida a melhor e mais prática opção de alimentação para o bebê, porque já vem pronto, aquecido e com todos os ingredientes bem dosados. Porém, há fórmulas lácteas excelentes  à venda no mercado, que suprem satisfatoriamente as necessidades nutricionais da criança recém-nascida. […] O essencial para que você e seu pequeno se sintam bem e ligados intimamente é não delegar a ninguém o ato de dar mamadeira. Aproveite esse momento para aconchegá-lo, acariciá-lo, trocar olhares amorosos com ele enquanto sacia sua fome.

 É a maneira ideal de garantir um alimento imprescindível a qualquer ser humano: o amor.”

 É isso aí. Sendo no peito ou na mamadeira, o que realmente importa é alimentar nossos filhos com muito amor.

 

Veja também:

Campanhas de amamentação – uma análise séria e franca

Dificuldades para amamentar? Veja as dicas

Quando não é possível amamentar

Pais (também) sob pressão

Assim como nós, eles [os maridos] têm a sensação de que estão deixando a desejar, decepcionando as pessoas e se exaurindo com a rotina massacrante.

A verdade é que as experiências dos nossos maridos são semelhantes às nossas em vários aspectos. Os pais de hoje, assim como as mães, estão sob o efeito de uma enorme sobrecarga: pressão para construírem carreiras bem-sucedidas, pressão para serem pais presentes e atuantes, pressão para apoiarem emocionalmente suas mulheres, pressão para colaborarem nas tarefas domésticas. Além disso, estão se sentindo esmagados pela pressão de tentar nos satisfazer e corresponder às expectativas que criamos em relação a eles.

 TRISHA, Ashworth & NOBILE, Amy. “Eu era uma ótima mãe até ter filhos – como lidar com os desafios da maternidade com amor e bom humor”. Rio de Janeiro: Sextante, 2008. p 103

Cuidar de si

“A Mãe, como figura bidimensional, não é algo imposto a nós por nossos maridos e filhos. Nós mesmas fazemos isso. De fato, as únicas pessoas que parecem reconhecer que a Mãe é uma pessoa – frágil e importante – são aqueles profissionais que produzem os vídeos de instruções de segurança para companhias aéreas. (…) A Mãe precisa ser a primeira a colocar a máscara de oxigênio. Ou, dizendo de modo mais abrangente: a Mãe tem que cuidar primeiro de si para depois poder atender as necessidades da família.”

TRISHA, Ashworth & NOBILE, Amy. “Eu era uma ótima mãe até ter filhos – como lidar com os desafios da maternidade com amor e bom humor”. Rio de Janeiro: Sextante, 2008 – p113

Você está esperando seu filho há muito mais de nove meses – um lado

Trecho do livro “Mulheres que correm com os lobos: mitos e histórias do arquétipo da mulher selvagem”

Especialmente as mulheres que estão sendo mães pela primeira vez têm dentro de si, não uma velha experiente, mas uma mãe-criança. […] Toda nova mãe começa como mãe-criança. Ela tem a idade suficiente para procriar e tem bons instintos que a orientam corretamente, mas ela precisa da atenção de uma mulher mais velha, ou de várias mulheres, que basicamente lhe dê sugestões, estímulo e apoio no cuidado com os filhos.

[…] As mulheres mais velhas eram os repositórios do comportamento e do conhecimento instintivo e podiam transmiti-los para as jovens mães. […]

[…] Esse círculo de mulheres foi outrora o domínio da Mulher Selvagem, e era aberto a quem dele quisesse participar. Absolutamente qualquer uma tinha essa possibilidade. No entanto, tudo o que sobrou dele nos nossos dias é um farrapinho chamado “chá-de-bebê”, em que são comprimidas no espaço de duas horas todas as piadas sobre partos – dons maternos e as histórias sobre os órgãos genitais, que não se encontrarão mais disponíveis para a mulher durante toda a sua vida de mãe.

Na maioria dos países industrializados, hoje em dia, a jovem mãe choca, dá a luz e tenta beneficiar seus filhos completamente só. Trata-se de uma tragédia de enormes proporções. Como muitas mulheres nasceram de mães frágeis, mães-crianças e mães sem mãe, elas próprias podem possuir um modelo interno de “automaternagem”.

É provável que a mulher que tem um construto de mãe-criança ou de mãe sem mãe em sua psique ou que veja essa imagem ser glorificada na sua cultura e mantida no trabalho e na família sofra de pressentimentos ingênuos, de uma falta de experiência e, em especial, de uma redução de sua capacidade instintiva para imaginar o que irá acontecer daqui a uma hora, uma semana, um mês, um ano, cinco ou dez anos.

Uma mulher com uma mãe-criança interna assume a aura de uma criança que finge ser mãe.

ESTÉS, Clarissa Pinkola. “Mulheres que correm com os lobos: mitos e histórias do arquétipo da mulher selvagem”. Rio de Janeiro: Rocco, 1994. pp 226-227

Veja também: 

Você está esperando seu filho há muito mais de nove meses

Você está esperando seu filho há muito mais de nove meses – outro lado

Você está esperando seu filho há muito mais de nove meses – Marusia fala

Você está esperando seu filho há muito mais de nove meses – outro lado

Trecho do livro “Nós estamos grávidos”:

O tipo de ajuda que as pessoas oferecem é de grande importância. (…) No entanto, é comum a mulher que acabou de ter um filho se ver cercada de muitas pessoas “bem-intencionadas” – amigos, tias, mãe, sogra, babás especializadas em recém-nascidos – que sempre têm um palpite certo para dar ou uma maneira melhor para ensinar. Isso deixa a mãe confusa e atrapalhada, com dificuldade de saber selecionar o que pode aproveitar ou o que deve descartar. A grande diversidade de palpites e opiniões bloqueia a intuição e a sensibilidade da mãe.

Muitas vezes, as pessoas que oferecem ajuda colocam-se em posição de superioridade frente à mãe: “Eu tenho muita experiência com bebês, sei do que necessitam”; “já criei cinco filhos”; “sei como lidar com crianças melhor que você que só tem teoria na cabeça” são frases que fazem com que a mãe se sinta ainda mais insegura, inadequada e incompetente. A mãe, a sogra, a tia ou a babá sabem mais, têm mais prática, e a ulher fica como espectadora, entregando o filho aos cuidados de uma outra pessoa para deixá-lo “a salvo”. Dessa forma, perde a oportunidade de entrar em sintonia com ele.

MALDONADO, Maria Tereza & DICKSTEIN, Julio. “Nós estamos grávidos”. 11 ed.-São Paulo: Saraiva, 2000. p 146

Veja também:

Você está esperando seu filho há muito mais de nove meses

Você está esperando seu filho há muito mais de nove meses – um lado

Você está esperando seu filho há muito mais de nove meses – Marusia fala