Nunca foram necessárias tantas qualidades para que uma mulher se sinta uma boa mãe, como nas últimas gerações. Um misto de administradora, executora, conciliadora, sempre com um sorriso no rosto e uma deliciosa refeição à mesa, tudo sem descuidar da beleza. Mas a mais preciosa e indispensável de todas as características é o amor incondicional, a capacidade inesgotável de suportar tudo a fim de manter a unidade da família.
Aminatta Forna encontra a imagem que melhor representa o amor materno: Nossa Senhora. Mas, segundo ela, é fácil ser plácida e serena com um bebê como o menino Jesus. Ser plácida e serena com filhos como Bambam Rubble (que hoje seria considerado hiperativo), Bart Simpson e Baby Sauro é muito mais heroico – e digno de admiração.
Para Elizabeth Badinter, esse conceito de amor materno (ou mesmo a noção de “instinto maternal”) é algo que foi construído – e o mais instigante: não pelas mães. O que ela chama de mito do amor materno tem sua raiz na necessidade de mudança de foco em relação à infância: as crianças, antes tidas como seres imperfeitos e incompletos que necessitavam de correção, passam a encarnar a esperança do futuro. A partir desse momento, os especialistas se dedicam de forma insistente a provar que sobre a mãe recai a responsabilidade primordial (e exclusiva) de formar os novos indivíduos.
Com o passar do tempo, o conceito fabricado de amor materno passou a ser ampla e irrefutavelmente aceito, naturalizado como se sempre tivesse existido.
Segundo Trisha Ashorth e Amy Nobile, muitas transformações ocorreram na vida de muitas mulheres das últimas gerações, que as impede de olharem para as próprias mães como modelos.
Susan Maushart enfatiza ainda a presunção e arrogância que torna maior o abismo entre as mães de hoje e a de mulheres que as antecederam na maternidade. Para ela, um conhecimento inestimável foi perdido com a quebra desse elo, inédita na história da humanidade. Tudo sob a alegação de que as mães da geração atual podem fazer diferente.
As mulheres não se espelham mais nas próprias mães. A grande contradição é que, enquanto os ideais de perfeição no “fazer” mudam com o tempo, os ideais de perfeição na postura da “mãe perfeita” se mantêm.
Somado à constatação de que as crianças também mudaram muito – a mulher também não vê nos filhos a criança que foi –, tudo isso resulta em um perene sentimento de inadequação, de estar perdido, em busca por um lugar.
Em sua experiência de psicanalistas, Diana e Mario Corso relatam o “sofrimento daqueles que julgam estar na família errada, uma ideia de que sua família não é como deveria ser ou não se comporta adequadamente como uma ‘verdadeira família’.” Os autores se perguntam: e qual é a família certa para os dias de hoje?
Sem bússola, e diante do excesso de escolhas, de expectativas e de responsabilidades, as mães encontram na mídia modelos dourados, que se acredita serem eternos desde sempre.
Sempre paira a tentação de se atribuir à “indústria cultural” (ou qualquer outra nomenclatura mais moderninha) a massificação de valores a fim de se obter boa-vontade por parte do público. Em outras palavras, a “teoria da conspiração”, que estaria “por trás” da fixação desses modelos da mãe perfeita, de paciência infindável, que se anula em prol da família.
Entretanto, o papel da mídia aqui é outro. As razões do sucesso desses produtos, ainda que sejam fonte de inspiração, repousam mais na necessidade de compartilhamento de experiências. Desenhos e seriados populares são produtos de entretenimento que colhem, sedimentam, reforçam, retroalimentam modelos que não são impostos, são acolhidos pelas mães de forma natural.
Para uma parcela de mães, a responsabilidade exclusiva pela criação dos filhos é um “poder” do qual não querem abrir mão e pelo qual abrem mão de todo o resto – razão da indignação de Helena no diálogo citado anteriormente. Para elas, um poder que só é legítimo pela via do sofrimento e da renúncia. Qualquer outra coisa que fuja a esse princípio é considerado egoísmo e só leva a um destino: o da eterna culpa.
“Como mulheres, e principalmente como mães, ainda não deixamos de ter medo de que, se é bom, deve ser egoísmo – e que cuidarmos de nós mesmas significa inevitavelmente faltar com nosso primeiro e mais legítimo dever: cuidar de todos os outros.” (Susan Maushart)
Assim, em muitos casos são as próprias mães que se agarram a esses padrões de perfeição. “Conspiração”, para elas, seria o que é praticado por quem tenta chamar a atenção para os padrões, quem tenta “libertá-las”: são as “máfias” das feministas, dos médicos, dos fabricantes de leite, dos homens, do sistema, do capitalismo, enfim.
Quando a realidade insiste em se impor ao idealizado, surge o mal-estar; mas, ainda assim, elas preferem continuar ostentando sua “máscara da maternidade”, como diz Susan Maushart.
“Quem quer a pressão de ser super em tempo integral?” pergunta o Sr. Incrível. Do que se depreende da presente análise, muitas mulheres querem.
Talvez por absoluta falta de opção do que pôr no lugar.
_____________________
Veja também:
Mães de animações e seriados 1: Por que elas são consideradas “boas mães”?
Mães de animações e seriados 2: O que elas têm em comum?
Mães de animações e seriados 4: Curiosidades imperdíveis