Vou começar a série “O que aprendi sobre…” por um pedido muito especial das minhas amigas. Digo isso porque relutei a escrevê-la. Por acreditar que não existem receitas, que cada família tem seu próprio arranjo. Mas elas me advertiram que isso não era motivo para deixar de compartilhar experiências. Então, inicio com um tema sensível: o sono das crianças.
Para dormir a noite toda, todas as noites
Eu AMO dormir. Como já disse em outros posts, sou aficionada por sonhos. São fontes seguras de soluções, de informações sobre mim, sobre o que me cerca. De jeito nenhum considero dormir uma coisa improdutiva, muito pelo contrário. Então, eu amo dormir, é um momento sagrado e quero conservá-lo.
A vida toda foi assim. Não tenho problemas para dormir. Fico consternada quando vejo batalhões de pessoas em todo o mundo com casos tão sérios, precisando de remédios. Mas o que mais me impressiona é ver como agora isso atinge também as crianças. “Dormir como uma criança” é um dito popular que está perdendo o sentido.
Minhas mais remotas lembranças mostram a hora de dormir como algo absolutamente pacífico na minha família. Essa é uma herança da qual nunca vou abrir mão. Tenho três crianças completamente diferentes entre si, mas com algo em comum: o sono tranquilo.
Isso não é fruto de genética. Há um pouco de técnica, sim. Mas existe um componente muito mais importante: a DECISÃO. E é esse aspecto que quero enfatizar.
As decisões têm que ser amparadas por informação, que obtive do meu sábio pediatra:
- A criança PRECISA dormir. Isso é crucial para qualquer ser-humano. Não à toa, Nuno Cobra, autor do best-seller “A Semente da Vitória”, coloca o sono como o mais indispensável aspecto para a saúde. Sem sono de qualidade, todos os outros aspectos perdem poder.
- Há conexões cerebrais preciosas que só se formam na infância, e durante o sono.
- Os hormônios do crescimento têm seu pico no corpo da criança entre 20h e 22h. O início do sono deve abranger esse pico, por isso é importante dormir cedo.
- A “Crise dos 8 meses” é verdadeira. Mais ou menos nessa idade, a criança toma consciência que é um ser separado da mãe. Quando a mãe não está presente, ela imagina que isso é para sempre.
- A partir dos 8 meses, o sono faz parte de um aprendizado. Não é natural, tem que ser ensinado.
- Crianças gostam da rotina porque se sentem seguras, ao conseguir antecipar cada próximo passo.
- Dia tranquilo, noite tranquila. O maior mito que existe é agitar a criança de dia, sem deixá-la cochilar, na esperança de ela possa “capotar” de noite. É justamente o contrário, ela vai ficar excitada e acordar às prestações por toda a madrugada.
O aconchego do quarto
Cochilos de dia
- As janelas estão abertas, a rotina da casa se mantém. Mas, para não interromper o sono com algum barulho alto e súbito, eu acionava um “som rosa”. Trata-se de um som frequente e baixo, uma onda sonora que anula as ondas externas. O mesmo que é usado na engenharia dos aviões. Para mim, um ventilador virado para a parede, no canto oposto ao do berço.
- Porta fechada, babá eletrônica ligada. Quando acordavam, ficavam ronronando no berço. Deixava-os curtirem esse momento.
- Se a criança dorme serenamente de dia e acorda alegrinha, NÃO HÁ POR QUE isso não se repetir à noite.
- O berço tem que ser o lugar mais gostoso do mundo, mas é para dormir. Não é lugar de brincar. A criança só deve estar no berço quando estiver dormindo e um pouquinho a mais para espreguiçar (e ronronar, como disse antes). Isso cria uma programação positiva em sua cabecinha.
- Depois das 17h, nada de cochilo.
O sono noturno
- Rituais, quanto já não se ouviu falar deles? Importantíssimos. Diminua as luzes e o som da casa. Dê um banho, coloque o pijaminha, cante, ponha uma música suave.
- Use o blecaute ou as venezianas, para escurecer o quarto e prolongar o sono da manhã. Ao contrário, acordarão ao primeiro sinal de claridade.
- Mantenha uma luz de referência. Use uma luz azul no abajur (somente nos dias em que perceber mais agitação). Verde para os demais dias.
- Use uma fralda que absorva a umidade por toda a noite.
- A criança não pode adormecer em um lugar e acordar em outro. Além disso, o berço tem que estar EXATAMENTE do mesmo jeito todos os dias. Se a criança acordar no meio da noite em um local diferente, é lógico que ela vai estranhar. A gente, que é adulta, estranha! Eu mesma, de vez em quando, fico meio desnorteada em quarto de hotel.
- Crie um incentivo para o berço à noite. Meu caçula tinha um coelhinho de pano que só entregávamos a ele na hora de dormir, no berço. Ele adorava, e o coelhinho era uma companhia constante, que lhe dava segurança.
- Os rituais são essenciais, mas não crie muitos artifícios para que seu filho durma. Se ele ficar dependente de coisas que não consegue reproduzir sozinho para conseguir pegar no sono, você vai precisar repeti-los a cada vez que ele acordar. Isso inclui dar corda em móbile e a famosa voltinha de carro. Pense bem se você está a fim de fazer isso toda noite. Não tente resolver um problema criando outro mais complicado. Permitir que a própria criança crie formas de “autoaconchego” é fundamental.
Situações especiais
- Bebês de até 6 meses, em amamentação exclusiva;
- Dentinho nascendo;
- Reação de vacina;
- Qualquer dor ou doença;
- Distúrbios do sono: apneia, terror noturno, sonambulismo;
- Novidade grande em casa.
Em NENHUM desses casos, você deve esperar que seu filho durma a noite toda. Não se iluda para não se frustrar.
Por que a criança chora?
Se dormir é uma delícia, por que então a criança chora? Esse é o grande nó que tomou conta das famílias.
Se não for nenhuma situação especial descrita acima, vamos tentar desatar esse nó. Você já se fez alguma das perguntas abaixo?
Meu bebê dormia direitinho, de repente começou a acordar de hora em hora, por quê?
Por causa da “Crise dos 8 meses”. Brincadeiras como “achou” e ioiô vão mostrando para ele que, quando os pais não estão em seu campo de visão, não quer dizer que eles desapareceram para sempre.
Não ponha em cheque a confiança que seu filho deposita em você. Evite sair na surdina, não minta. Explique com clareza, sem tensão, e despeça-se.
Vi uma dica incrível em uma antiga revista Crescer, de 2001, da leitora Cláudia Barreto, mãe da Marina. Ela orientou a babá a ir para o parquinho com a criança antes que ela saísse para o trabalho. Então, era a Marina quem dava “tchau”. A filha passou a entender que, do mesmo jeito que ela própria, a mãe também voltaria para casa. A separação se transformou em um momento positivo e sem dor. Isso é perfeitamente aplicável na hora de dormir. Pode-se criar a situação para que A CRIANÇA dê “boa noite”.
Por que ele só dorme depois das 23h?
Observe se a noite é o único horário que você tem com o seu filho, porque ele não vai querer perder nenhum segundo da sua companhia.
Por que o bebê simplesmente não fecha os olhos e dorme?
A criança quando está com sono fica irreconhecível. Nada agrada, ela fica irritadiça e chora sem motivo. Ela LUTA contra o sono. Seria tão fácil simplesmente se render a ele, não?
É que o sono pressupõe entrega. É uma sensação de perda de controle e pode assustar. E é o adulto que deve mostrar à criança que não há o que temer, que é algo prazeroso e necessário. Se existe tensão na hora de dormir, esse aprendizado não vai ocorrer nunca.
E é aí que entra o seu poder de decisão.
Se eu quero que meus filhos durmam às 20h, por conta dos hormônios do crescimento, devo estar consciente que eles vão dormir cedo para ACORDAR cedo. Entre 6h e 7h da manhã, para ser mais exata.
Se eu quero que eles adormeçam e saibam retomar o sono caso acordem no meio da noite, devo dá-los a chance de aprender a fazer isso. Se, a qualquer resmunguinho, eu apareço esbaforida no quarto e tiro do berço, qual é a mensagem que estou passando? Que o berço é um lugar execrável e tenebroso, e que eu sou a única a “resgatá-lo” e “salvá-lo” desse tormento. Caso a criança chore, procure atender com tranquilidade.
Eu costumava repetir igual a um mantra: “Ah, que delícia seu quartinho, seu bercinho fofinho e quentinho; você agora vai descansar, dormir um soninho gostoooooooso até amanhã de manhã, que vai ser um dia lindo. Tá tudo bem. Dorme com os anjinhos.”
Entendo o princípio que prega “o que é mais importante para a criança”. Afinal, ela é indefesa, dependente em tudo. Mas prefiro “o que é mais importante para a família”. A família é um sistema. E a criança faz parte dele. A família estando bem, consequentemente a criança estará bem.
Nesse raciocínio, prezo totalmente a intimidade do meu casamento. E não vejo o desfrutar de momentos exclusivos como algo que possa ser prejudicial para minha família.
É recompensador ser “insubstituível” para o filho. Tentador, até. Mas um grande risco é a potencialização de algo que começa natural (a dependência da mãe por parte do filho), e a criança passa a ser “ensinada” a sentir falta da mãe, e só dela.
Se eu quero que meus filhos possam ir para suas caminhas na hora em que estão com sono e durmam sossegados, eles têm que sentir autoconfiança e perceber que não há motivo para chorar. Se pararmos para pensar, muitas serão as situações de insegurança que eles vão enfrentar. Pode ser ficar na cadeirinha do carro enquanto dirigimos. A adaptação na escola, o nascimento de um irmão. Uma dieta especial no caso de um distúrbio de alimentação. A chegada da adolescência. Não somos onipresentes. Reafirmando a autoconfiança dos filhos, o trajeto é menos pesado. E mais rico.
Eu tomei essas decisões e estou satisfeita com elas. Senti isso no dia em que precisei passar por uma cirurgia para retirada da vesícula, que se complicou. Por vários dias fiquei no hospital com meu marido. Meus sogros ficaram com meus filhos. E me diziam: “às oito da noite, todos já tinham ido para suas caminhas.” E assim eu também podia dormir tranquila.
E você? Que dica tem para o sono infantil?
"Dê qualquer roupinha e continue não entendendo por que ele chora a noite toda". Ah, se tudo fosse só uma questão de roupinha...
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Veja também:
O que aprendi sobre…
… a linguagem secreta da birra
… viagens com crianças